A cidadania, como a felicidade, é uma condição do espírito, não é e não pode ser estabelecida de fora para dentro do indivíduo pelas instituições sociais em geral, do tipo família, educação, religião ou trabalho. Ela deve e pode ser conquistada!Por isso não se pode conceituar precisamente o que é cidadania, como também não se pode dizer cabalmente o que é felicidade, pois ambas são abstrações erroneamente transformadas pelas mentes simples em realidades absolutas (no decorrer da história esse procedimento mental atingiu primeiro a compreensão de felicidade), mas ninguém sabe conclusivamente o que elas são, por isso a impossibilidade de defini-las de maneira definitiva.
Da mesma forma que um sorriso não pode ser traduzido imediatamente como o estado de felicidade de alguém; também a posse do simples direito de votar e ser votado (cidadania política), de ter saúde e educação para todos (cidadania social), e de ser possível o livre pensar e se expressar (cidadania civil), não podem ser interpretados imediatamente como gozo pleno de cidadania.
Como felicidade significa não sofrer; a cidadania é um estado mental (espiritual) em que o ser se sente dono absoluto do seu destino, o qual deve ser o resultado de uma biografia (história pessoal), que deve ser escrita sob o paradigma da razão, que por sua vez deve orientar suas escolhas com o objetivo de obter a felicidade. Portanto, cidadania é um estado mental, uma condição espiritual adquirida pela experiência de viver os valores do Iluminismo (individualidade, racionalidade e universalidade). Somente assim se pode compreender realmente e com substância cidadania.
O espírito que orientou os iluministas quando conceberam o homem como um cidadão individual vivendo em um todo social era o da razão, que deveria fazer a ponte entre a individualidade e a sociedade, entre espaço privado e espaço público. Portanto significa que é um processo constante de ida e vinda do interior passional para um exterior pautado por regras de convivência social.
O ser humano nasce com determinações biológicas mentais que lhe capacitam para adquirir consciência individual (consciência de si) e para elaborar uma ética de convivência social (a perspectiva de colocar-se no lugar do outro). Atualmente, essas são as melhores características para se estabelecer a singularidade dos humanos no mundo animal. Isso significa que para a evolução do conceito de cidadania, segundo o Iluminismo, são necessárias condições que estimulem o desenvolvimento da racionalidade e de sua livre manifestação.
Em sociedades fechadas, nas quais as escolhas pessoais não são feitas pelos próprios indivíduos, mas por alguém que representa uma instituição social (família, clã, tribo, ditaduras personalistas ou coletivistas, religiões, etc.), o conceito de cidadania sob o ponto de vista racional-iluminista não tem qualquer significado; a não ser para aqueles que são facilmente manipuláveis pelo marketing político e que servem a interesses demagógicos e populistas.
Na prática, países como o Brasil (que se debate entre ser uma sociedade fechada ou aberta) é pródigo em exemplos que refletem a banalização do conceito de cidadania, feita por interesses políticos eleitoreiros. Na luta contra a ditadura militar, iniciada em 1964, partidos de esquerda e os padres da Teologia da Libertação, que propunham uma ditadura socialista, cujo modelo era o cubano-maoísta, alardearam que cidadania era a conquista das liberdades políticas e civis, caindo assim na simpatia das massas ignorantes.
Eles acreditavam que com o fim do período militar, o que ocorreu em 1985, o Brasil deslancharia processo de crescimento (aumento do PIB) e desenvolvimento (distribuição equânime e proporcional da riqueza gerada). O resultado foi um monstrengo legiferante conhecido como “Constituição Cidadã”, promulgada em 1988, que criou uma enormidade de obrigações do Estado para com a sociedade (cidadãos) sem, no entanto, indicar a origem dos recursos (receita) para satisfazê-las.
A conseqüência do erro de se procurar enfrentar problemas econômicos concretos, referentes ao desenvolvimento de um país, apenas escrevendo leis bem intencionadas, sem tomar atitudes reais de liberação do mercado brasileiro, foi o surgimento de um “gap” profundo entre o espírito da lei constitucional, que imagina o que deveria ser o mundo social, e a dura realidade cotidiana do que é a realidade.
Nos anos noventa, enquanto a tal “Constituição Cidadã” ia se realizando, com a regulamentação dos seus Artigos, mais uma vez partidos de esquerda e os padres das famosas Comunidades Eclesiais de Base (ninho de onde surgiram PT, CUT e MST), agora acrescidos das ONG’s (“mauricinhos” e “patricinhas” que adoram posar de inimigos do capitalismo, mas que não dispensam um avião para suas viagens, nem largam os seus laptops e data shows para seus infindáveis seminários; certamente nenhuma dessas invenções originaram-se em paises socialistas), voltaram a empunhar a bandeira da cidadania, enfatizando agora sua dimensão social, que são as reivindicações por bens de consumo coletivo. É nesse contexto que oportunisticamente Lula chegou ao poder, as massas manipuladas acreditaram que um político de origem pobre e ignorante como elas poderia resolver seus problemas.
A essa altura, cidadania esta muito distante do significado real concebido pelos iluministas. Cidadania virou sinônimo de tudo: inclusão social (que é uma noção vazia, pois o membro economicamente mais vulnerável da sociedade faz parte dela como consumidor, nem que seja assaltando alguém); delírio coletivo (pois só assim se entende a crença de que bater em lata, dançar axé e jogar capoeira é promover cidadania, quando no máximo isso tudo é entretenimento); campanhas contra a fome (filantropia); ação global (marketing promocional das empresas, também conhecido como responsabilidade social) etc., etc.
Infelizmente, cidadania só não é sinônimo de estudo, pois isso significa bunda na cadeira ou deitado na rede ou na cama, cultivando lenta mas progressivamente o espírito livre e original, ou seja, ler, ler, ler... Porém, desconfio que dessa “ação de cidadania” as pessoas não gostam muito, acham muito chato!!! É melhor ficar rebolando para as câmeras de TV brincando de solidariedade!!!
Artigo de autoria de Geraldo Filho (Sociólogo, Bchl e MSc: professor do CMRV/UFPI, Coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação)