Artigo de autoria de Geraldo Filho - Sociólogo, Bchl e MSc: professor do CMRV/UFPI
No meu último artigo “Sociobiologia: a ciência da sociedade” referi-me ao neurocientista Antônio Damásio e a tese segundo a qual ideias más, ao serem massificadas pela repetição incessante, podem fazer tanto mal à consciência individual (estruturada pela razão e a emoção) tal qual uma doença congênita, ou um acidente, que tenha como consequência o mau funcionamento do cérebro.
Antes da divulgação dos estudos de Damásio, expostos em livros como o “Erro de Descartes” e “O Mistério da Consciência”, o biólogo evolucionista Richard Dawkins, em meados dos anos 70, havia elaborado em “O Gene Egoísta”, a tese dos “memes”. Segundo ele, da mesma maneira que os genes, que são os responsáveis pelo que nós e por como nós somos, e que seguem cegamente a obrigação (imperativo) de lutar pela sobrevivência, replicando-se por meio da reprodução sexual; também os “memes” devem lutar desesperadamente pela sua permanência no tempo, o que significa na prática adaptarem-se e transformarem-se.
Os “memes” na cultura são como os genes na biologia. O seu comportamento é semelhante. Os “memes” são as ideias que deram consistência à humanidade através das sociedades que se sucederam na história, umas com maior outras com menor sucesso na dura empreitada de se manterem vivas.
Assim, se os genes levam homens e mulheres a desejarem-se sexualmente, cumprindo o imperativo biológico de levar um macho e uma fêmea humanos ao acasalamento e, depois, à obrigação de cuidar dos filhos; por sua vez, os “memes”, isto é, as ideias, são a modulação cultural desse processo comum à natureza, ao defini-lo como amor romântico ou amor familiar.
A emoção do desejo sexual, experimentada como o sentimento amor romântico, bem como a emoção da gratificação, vivenciada por meio do sentimento de satisfação com o bem-estar dos filhos, encontram-se na espécie, espalhados por todas as sociedades. A teoria funcional-estruturalista, bem como a sua continuidade conhecida por teoria dos sistemas, denominou a isso respectivamente de estrutura familiar e subsistema família. Utilizando Dawkins eu chamarei de “memes”.
As variações dos tipos de família e dos rituais de acasalamento demonstram como o “meme” que se conhece por amor adapta-se, transforma-se e sobrevive. O mesmo raciocínio é válido para as variações da organização do poder político. Se há relação entre maior ou menor participação das pessoas na distribuição do poder no âmbito das sociedades isso é indiferente para o “meme” poder. Por exemplo, entre monarquias absolutas e constitucionalistas parlamentares, ou presidencialismo e parlamentarismo puro, o que importa é o sucesso da função de garantia da estabilidade da sociedade.
Mas, como se pode explicar a variação adaptativa de um “meme”? Como numa sociedade pode prevalecer uma família monogâmica e numa outra uma família poligâmica? Ou em uma prevalecer uma ditadura e noutra uma democracia parlamentar?
O sucesso evolutivo dos genes não se relaciona com o que é bom ou com o que é mau. Aplicando-se a teoria dos jogos a uma população animal qualquer, pode-se descobrir que a predominância de genes agressivos, que em tese são ruins para o convívio social, foi alcançada por causa da maioria em número de indivíduos com essas características. Porém, como a agressividade e o seu resultado, a violência, inviabilizam a estabilidade e a paz social ao longo do tempo, indivíduos mais calmos, ou menos agressivos, passarão a ser valorizados, exatamente pela contribuição que poderão dar para a continuidade da espécie na medida em que se preservam, individualmente, ao manterem-se prudentemente distantes de situações conflituosas.
Os “memes”, ou as ideias, seguem um curso parecido. Como demonstração dessa tese observe-se o Brasil.
Na educação, por exemplo. Por que o país não evolui, apesar de todas as reformas e planos de avanço adotados na área?! Observe-se agora a evolução de um “meme” chamado democratismo. Ele superou o “meme” autoridade no âmbito da família nos anos 70, transfigurado como relação de “igualdade” entre pais e filhos, o que gerou indivíduos sem disciplina, o que é fundamental para o convívio social; migrou para o ambiente escolar, ainda nesta década, travestido da suposição de que o ato de ensinar é um aprendizado mútuo entre professor e aluno, corroendo, como resultado, a autoridade na sala de aula; disseminou-se pela política nos anos 80, fantasiado de participação popular, como consequência, o mérito, que deveria ser o critério de performance para o exercício do poder, foi arrastado na lama, possibilitando que analfabetos e populistas chegassem ao comando do país em vários níveis.
O “meme” democratismo tem origem remota. Vale assinalar que Sócrates e Platão o combateram na raiz de seu nascimento como democracia, por considerá-lo não condizente com a natureza.
No entanto, da mesma forma que um gene não é responsável sozinho pelas características de uma pessoa, um “meme” também não o é pelas características de uma sociedade, ele necessita, para sua vitalidade, de se relacionar e interagir com outros “ memes”. Assim, observe-se no Brasil a relação entre democratismo e solidariedade.
O “meme” solidariedade suplantou cooperação e competitividade porque assumiu uma conotação “divina”. Ele foi propagado pela Igreja Católica através de sua orientação pastoral conhecida como “Opção Preferencial pelos Pobres”, nos anos 60, período do Concílio Vaticano II. Sua consistência é explicitada pelo gigantismo do Estado, que produz políticas públicas de auto-legitimação (sem “porta de saída” do sistema de proteção social para aqueles que se beneficiam dessas ações governamentais), com a justificativa de justiça social.
Por isso a sociedade brasileira não pune criminosos. A solidariedade, eixo central da pastoral católica, em um país majoritariamente católico, transformou animais irrecuperáveis em seres divinais e os cobriram de direitos. O sentimento de justa vingança, pelo mal cometido contra as vítimas, corrompeu-se em pedidos de justiça e paz, de modo que seus pais, parentes e amigos têm vergonha de manifestar sua real vontade, que é a execução esses bandidos.
Cooperação e competição são duas faces de uma mesma moeda: a busca do mérito. No entanto, permeiam as relações sociais, políticas e de trabalho a mediocridade, a ignorância intelectual e cultural.
A falta de autoridade dissemina a violência, no entanto, nos últimos anos, o Estado procurou desarmar os cidadãos e amordaçar os meios de comunicação; agora, no momento em que escrevo, atenta contra as liberdades individuais ao interferir no foro íntimo das famílias brasileiras por meio de leis sobre palmadas ou abandono de idosos.
Alguém pode ler esta análise e achar que estou contra a democracia, os pobres, as crianças e os idosos. Os “memes” do democratismo e da solidariedade querem e precisam que você pense exatamente assim. No entanto, observe que por trás de tudo isso os dois “memes” sobrevivem, adaptando-se e transformando-se, é esse o seu único interesse, replicarem-se e permanecerem existindo como ideia. Quanto aos humanos, que se lixem!