26 de abril de 2011

Covardia Judiciária

Desembargador Valério Chaves Pinto
Há certos crimes que pelo rigor de seu simbolismo, pelo arrojo da defesa, pela importância da vítima atingida, pela coragem ou covardia do juiz, ultrapassam o tempo e dividem a própria História da humanidade.

Neste período de solenidades de Páscoa e sem pretender fazer comparações ou proporções com os demais, bem se poderia evocar como exemplo o DEICÍDIO que culminou na Paixão e Morte de Cristo, cujo julgamento, conquanto previsto, surpreendeu ao mais avaro intérprete  pela ausência de qualquer culpa contra o réu.

A pusilanimidade do juiz fez de Pôncio Pilatos um símbolo de submissão ao medo ao permitir que a condenação de Cristo fosse ditada pelos naturais do mundo da Galiléia.

Talvez por esse fato, sob certos aspectos e guardadas as devidas proporções, é que Pilatos é tido como um remoto patrono dos chamados juízes alternativos do nosso tempo, ou seja, aqueles que diante de um caso  concreto admitem a coexistência de duas ordens jurídicas e encaram a lei como um parâmetro genérico, sem compromisso com a coerência.

No caso de Cristo, sabe-se que tudo aconteceu por uma questão histórica advinda da inveja das facções judáicas que enciumadas e estimuladas pelos líderes fariseus (que dominavam o Sinédrio de Jerusalém), não admitiam que Cristo fosse o Messias dominando a Judéia para ser o Rei de Israel.
Pilatos sabia que a acusação não era verdadeira, tanto que ainda tentou salvar o réu fazendo um apêlo ao povo para que se decidisse entre Ele e Barrabás.

Barrabás era um ladrão salteador de estradas. Cristo só pregava o bem e a Justiça. Pilatos tinha consciência desse fato. Jesus não havia se negado a pagar impostos a Cesar porque Ele mesmo ensinava aos seus discípulos dizendo: “Dai a Cesar o que é de Cesár, e a Deus o que é de Deus”.
Pilatos não via nEle crime algum, mas diante da cegueira ou pusilanimidade que o dominava, preferiu lavar as mãos e condenar à morte o Cordeiro da Páscoa.

Se o juiz Pilatos tivesse agido com energia e firmeza, fiel à sua convicção da inocência de Cristo, o povo teria se conformado e não teria arrogado o direito de cometer o maior crime judiciário da era cristã.

Malgrado o medo de trair o Império e a condenação à morte, o gesto de Pilatos não evitou a sua ruína, vindo a morrer tempos depois, sob remorso e atormentado no seu orgulho e covardia.
A lição bíblica diz que “Há caminho que ao homem parece direito, mas o fim dele são os caminhos da morte” (Provébios, 14:12).

A lei de então era a lei romana manifestada na própria vontade de Pilatos com autoridade para abstrair-se dessa aparente legalidade, eis que ponderou na sentença condenatória: “Mando que nenhuma pessoa de qualquer estado ou condição se atreva, temerariamente, a impedir a Justiça por mim mandada, administrada  e executada com todo o rigor, segundo os Decretos e Leis Romanas, sob as penas de rebelião contra o Imperador Romano” (trecho da peça do Processo de Cristo, existente no Museu da Espanha).

Em suma, Pilatos foi um juiz tíbio e agiu sob os interesses do poder. Os seus seguidores não estão salvos do mesmo ferrete que imolou Jesus. Como disse Ruy: “O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde”.

Desembargador Valério Chaves Pinto - TJPI