Geraldo Filho |
Artigo de autoria de Geraldo Filho - Sociólogo, Bchl e MSc: professor do CMRV/UFPI
A violência é inerente a natureza, como os humanos são originários da natureza, por consequência lógica, a violência é própria da vida humana.
Para sustentar esta tese, deve-se lembrar da origem da natureza cósmica como se conhece, ou pelo menos como supõe conhecer o modelo explicativo astrofísico mais aceito, o do “big-bang”.
O modelo parte da idéia de que no início do tempo, e do espaço, energia e matéria estavam concentrados em um único ponto, de densidade incomensurável, que em determinado instante, devido a intensidade desse estado, colapsou em uma explosão cataclísmica, gerando tudo o que existe, do mundo das galáxias em expansão (infinitamente grande) ao mundo quântico das partículas sub-atômicas (infinitamente pequeno).
Portanto, a concepção da criação do universo encontra na violência da explosão inicial o estímulo para o surgimento da vida.
Ao observar-se as alegorias mítico-religiosas, descobre-se a recorrência de situações caracterizadas como violentas: no início era o caos e fez-se a ordem; Adão e Eva expulsos do paraíso, como punição pelo pecado; Zeus e seus irmãos (Hades e Posseidon) lutando contra os titãs, cometendo parricídio contra Cronos, pelo poder do mundo; no hinduísmo, criação (shiva) e destruição (vishnu) guerreando eternamente entre si, etc. Todas têm em comum o fato de que possibilitam a construção de novas realidades.
Ou seja, a abordagem mítico-religiosa própria da cosmogonia (origem do universo por obra divina) e da teogonia (origem do homem por obra de deus) assinala, nos seus mais variados exemplos, a persistente presença da violência.
Mas, deixando de lado as dimensões macro da astrofísica e as fantasias mítico-religiosas, identifica-se no processo do nascimento do humano sua primeira experiência estressante e violenta.
Perfeitamente equilibrado no útero materno, onde encontra proteção física, alimentar e climática, condições necessárias para um desenvolvimento normal, de repente, nove meses após a fecundação, aquele ser é expelido para o exterior por força de espasmos vigorosos da musculatura da mulher. Um ambiente novo, adverso a situação anterior, onde ele terá de respirar pela força dos próprios pulmões, lutar chorando (pois que ainda não tem a linguagem) pelo alimento e proteção.
A experiência do nascimento, em si, deveria ensinar muito aos humanos a respeito de suas próprias vidas, principalmente sobre a passagem e possível eternidade do tempo (e talvez nossa!); sobre a violência imposta pela natureza à mãe e ao filho na dinâmica da gravidez e do parto; sobre a luta violenta pela vida, que começa aí e se estenderá até esta vida ser ceifada por um comando bio-químico inscrito no código genético deste ser, ou por um agente externo (uma epidemia, uma bala, um acidente de trânsito).
No entanto, perde-se esta ocasião para uma reflexão mais profunda, uma oportunidade de ir para além do que se vê, porque colocam-lhes na cabeça que aquilo é “um momento mágico”, “divino”, “amoroso”, “sublime”, e outras bobagens que tais, vedando-lhes a visão para o medo e a dor da mulher, o medo e o desespero da criança.
O medo é uma das emoções naturais no humano (já nasce com ele), que corresponde às situações de perigo que ele enfrentará. Portanto, a evolução biológica, ao reconhecer a vulnerabilidade deste ser, o dotou com esta estratégia de sobrevivência.
Os humanos compartilham essa emoção com os outros animais, pois também eles encontram no medo uma estratégia de sobrevivência, pois a partir do medo duas decisões são adotadas: ou ficar e enfrentar (podendo viver ou morrer); ou fugir (aumentando a probabilidade de sobreviver).
A diferença entre humanos e animais é que estes apenas “sentem” que o seu mundo é assim, comandado por emoções como tristeza, alegria, raiva, medo, surpresa e repugnância; os humanos, por outro lado, “sentem” e, mais do que tudo, “sabem” que o mundo é assim. Eis a diferença fundamental, para o bem e para o mal, entre estes seres.
Ao “saber” que o medo corresponde à violência inerente ao mundo natural, e agora social, pois o “saber” que existe inaugura o mundo da cultura, formado por conceitos (por isso mesmo é que aparecem os sentimentos, que conceituam no complexo cérebro-corpo-mente as emoções), torna-se possível instituir controles coletivos, para mitigar as possíveis situações de violência.
Foi nessa direção que a evolução darwiniana e o desenvolvimento sócio-cultural seguiram. Dos primórdios da humanidade nômade, aonde a violência dos mais fortes era funcional aos constantes deslocamentos sazonais, a procura de comida e água, em que tinham de lutar contra rivais e predadores (portanto, só os mais aptos, dotados pela genética de força física e resistência, tinham melhores possibilidades de sobreviver); ao aparecimento do sedentarismo, propiciado pela agricultura e a pecuária, que favoreceu a formação de povoamentos cada vez maiores (cidades), nos quais a violência tornou-se disfuncional, e a força bruta, como estratégia de sobrevivência, cedeu o lugar para uma programação genética que estimula o exercício do intelecto, o que levou ao desenvolvimento progressivo da tecnologia.
Sob o ponto de vista da evolução genética, esse processo descrito acima corresponde a dois momentos distintos: no primeiro (nomadismo) predominam no “pool” (conjunto) genético genes de indivíduos agressivos; no segundo (sedentarismo) predominam genes de indivíduos calmos, mansos, afeitos a uma vida mais cerebral e menos conflituosa.
Sob o ponto de vista sócio-cultural, significa o estabelecimento de controles coletivos (instituições de poder político: governo e justiça, que promovem a paz e a segurança em sociedades complexas), sobre indivíduos ou grupos agressivos e violentos, que intentam impor seus interesses sobre a maioria, predominantemente refratária ao conflito e a beligerância.
Portanto, a explicação e a compreensão da violência, na acepção criminal da palavra, devem ser pautadas pela relação entre essas duas vertentes do conhecimento, e evolução genética e a sócio-cultural. É assim que se pode analisar a recorrência do crime nas sociedades e estudar quais os meios mais eficientes e eficazes de combatê-lo.
Sociedades com baixa criminalidade, ou alta criminalidade, podem ser apontadas como aquelas em que no conjunto de suas populações predominam (em determinados contextos históricos de cada uma delas) genes menos agressivos, ou, ao contrário, genes mais agressivos; ou, de outro modo, sociedades com baixa criminalidade, ou alta criminalidade, podem ser apontadas como aquelas em que controles coletivos fortes coíbem os indivíduos agressivos e transgressores, ou, ao contrário, controles coletivos fracos estimulam indivíduos agressivos e transgressores.
Ao olhar-se para o Brasil, para toda a arquitetura jurídica voltada para combater o crime e promover a paz e a segurança, claramente se deduz sua classificação: alta criminalidade, com baixa capacidade institucional de coibir o crime.
Ao olhar-se o “pool” genético de sua população, claramente se constata que os genes agressivos de indivíduos violentos estão se sobrepondo aos genes mansos de indivíduos moderados. Por isso a violência só cresce, não diminui, mesmo que o país atravesse um bom período de 16 anos de crescimento e desenvolvimento econômico.