13 de setembro de 2009

A Ilusão do Tempo

Artigo de autoria de Geraldo Filho - Sociólogo, Bchl e MSc: professor do CMRV/UFPI

Para os que acreditam em grandes mudanças ou revoluções nas sociedades, revejam suas crenças. Política, economia, religião, educação, ética e estética, família, são repetições estruturais do comportamento humano presididas (reguladas) pela consistência de suas funções.

O que esse parágrafo significa?! Ele pode ser abordado por diferentes pontos de vista: o religioso, o filosófico, o sócio-antropológico, o político, o histórico, o psicanalítico. Todos, com exceção de um, confirmarão por veredicto: não somos melhores do que sempre fomos. O discordante é o religioso, pois se pensasse como os demais, perderia a razão de ser, afinal a fé, para se justificar, tem de crer que o humano pode evoluir (e salvar sua alma!).

Porém, mesmo para os demais, reconhecer que não somos melhores do que sempre fomos, não é tarefa fácil, é doloroso, porque muitos sonhos e ilusões serão incinerados face à dura realidade.

Veja-se, a aplicação do primeiro parágrafo. Qualquer aspecto da vida, individual ou coletiva, vem se repetindo há milhares de anos, por várias sociedades, simples ou complexas.

Observe a política: humanos sempre lutarão pelo poder e por prestigio no seu meio; a economia: humanos têm de prover o que produzir, o quanto, o como e o para quem; a religião: em toda parte, respostas para o sentido da existência; a educação (socialização): treinamento para viver adequadamente na sociedade; a ética e a estética: a procura e a manifestação sensorial do prazer; a família: responsável pela perpetuação dos humanos.

Mas, por que então há (houve) essa multivariedade de palcos (sociedades) para a encenação de um enredo que consiste, resumidamente em nascer, viver, procriar e morrer?! Um só palco (sociedade) haveria bastado, tal como para os vegetais e animais.

A resposta para essa questão remonta ao espalhamento pelo planeta dos grupos de homo sapiens, através de migrações, ao longo de 200 mil anos, o que os obrigou à adaptações diferenciadas, de acordo com os ecossistemas que encontravam; mas, também remete a algo inusitado, a capacidade de melhorar (sofisticar) cada vez mais essas adaptações aos novos “habitats”, isto é: a criatividade. Essa é a causa que impulsionou os humanos para a diferenciação. Mas observe: diferenciação (aperfeiçoamento) para as mesmas necessidades adaptativas, vividas por todos os grupos humanos.

Com a compreensão desse enquadramento teórico, pode-se voltar para o parágrafo inicial e refletir sobre seu significado. Por exemplo: o que pensar daquilo que forma a história, que é a passagem do tempo?! Ora, de acordo com o que foi exposto, a história não passa da eterna repetição do drama humano, por palcos (sociedades) diferentes. A sensação do tempo, ou de sua passagem, só é sentida pelo indivíduo, provocada por sua durabilidade vital, determinada por seu código genético. Para as sociedades, o tempo está congelado, pois para elas o tempo é somente a persistência de sua auto-replicação (permanência ao longo da história).

Essa compreensão do tempo se aproxima da astrofísica, para quem o tempo funde-se com o espaço, criando o misto dimensional / tempo, o que torna impossível a percepção do tempo como um vetor apontado para o futuro, em movimento evolutivo e linear. Essa percepção, como já se disse é só uma sensação subjetiva (individual).

Outra reflexão possível é sobre a natureza do que conceituamos como realidade. Da mesma forma que quando se olha para o céu se enxerga “agora” a luz de estrelas que não existem mais; quando se olha para o “agora”, da realidade, não se está também enxergando o passado, uma vez que essa realidade é uma eterna repetição de si mesma?!

Para o olhar treinado do cientista social, o passado penetra profundamente o presente, e ao retroceder a contextos históricos de mundos passados, busca-se viver os seus presentes. Assim, é possível ver o passado no “agora”, como também é possível passear pelos presentes de “outrora”.

Recentemente, li o livro do historiador Iweltman Mendes Porto de Luis Correia: Histórico de um Sonho, sobre a saga da construção do Porto de Luis Correia ou Porto da Amarração, seu nome original. Das páginas do livro, saltam a esperança dos que lutaram em distintos contextos históricos, pela sua realização. Num momento, 1ª década do séc XX, as esperanças foram renovadas, promessas feitas, discursos proferidos... Porém, parece que o passado ainda é mais atual do que o presente. Renovação de esperanças, promessas garantidas e diatribes discursivas são elementos de retórica inerentes a estrutura política, que encontram na ingenuidade dos que crêem o estimulo para sua replicação.

Sobre a estrutura familiar, mais uma vez o passado é presente. É evidente que não se vive mais numa família patriarcal, mas uma realidade incômoda sobrevive, e ela decorre de tempos ancestrais. O provedor do lar, em regra, sendo homem ou mulher, acaba por exercer a liderança da família. Até entre casais homossexuais, lésbicas ou gays, constata-se essa regularidade, se existir um provedor, ele será o líder.

Quanto a estética, não obstante as várias mudanças de padrões de beleza, é recorrente, pelos palcos sociais, a admiração e o desejo sexual por homens com corpo em forma de triângulo isósceles invertido; e por mulheres curvilíneas, com corpo em forma de violão. Invenção cultura?! Não. Biologia Evolutiva. Tais características físicas sinalizam para machos e fêmeas humanos bons reprodutores.

Procissões religiosas, carnavais e festas juninas ou cívicas. Todas festas originárias das profundezas da Antiguidade Greco-Romana, e da Idade Média camponesa européia.

Quando se assiste procissões, com andores, anjos, votos, orações cantadas (mantras), quermesses e leilões; veja-se Dionizo, Afrodite, Hera, ou Zeus, nos andores, sacerdotes e sacerdotisas, discípulos e simpatizantes, todos compondo o cortejo.

Aprecie o carnaval do Brasil; viaje para a Roma da Antiguidade ou da Idade Média: bobos, bufões, momos, o onipresente Baco (Dionizo), pierrôs e columbinas, a embriaguês desvairada, a sexualidade exaltada.

Brinque as festas juninas; vivencie as festas célticas, galesas e germânicas, antigas e medievais de celebração das colheitas na primavera (estação da fertilidade) européia, quando aproveitavam para casar (sexualidade), beber, dançar e comer à larga, em torno do fogo sagrado (fogueira), símbolo da energia criadora da natureza. Ou será coincidência que as ordens que marcam os passos da quadrilha junina sejam originadas no francês arcaico?!

Assista a uma parada militar, com tropas e carros de combate desfilando; lembre dos triunfos dos generais romanos, que depois de grandes vitórias sobre os povos chamados bárbaros, eram recebidos, com as legiões, em formação de marcha pelos cidadãos de Roma.

Eu poderia assinalar ainda o teatro grego e romano, suas comédias e tragédias que inspiraram William Shakespeare e o teatro moderno; a dança, a música, a coreografia, os poetas trovadores da Idade Média...os exemplos são inesgotáveis, a conclusão inescapável: o tempo histórico é uma ilusão, nós continuamos a ser o que sempre fomos.