21 de abril de 2013

Reflexões sobre as Ciências Sociais na contemporaneidade

Geraldo Filho
Artigo de autoria de Geraldo Filho – Sociólogo, Bacharel e Mestre: professor do Campus da UFPI de Parnaíba

*Esse texto é voltado particularmente para profissionais de ciências sociais ou para quem ministra disciplinas de ciências humanas em geral no ensino de todos os níveis, no entanto, deve despertar o interesse de qualquer curioso pelo estranho desejo de compreender o espírito humano.

Não é tarefa fácil fazer reflexões sobre as Ciências Sociais e seu enraizamento na realidade contemporânea. Isso decorre da pluralidade de teorias que, a partir dos clássicos (e aqui me refiro aos denominados fundadores: Marx, Durkheim e Weber; sem levar em consideração outros autores, que certamente exerceram forte influência no desenvolvimento dessas ciências) foram se acumulando, e se diferenciando, à procura de responder com a melhor objetividade e eficiência intelectual os desafios que a complexidade das sociedades impuseram.

Portanto, herdou-se uma diversidade de teorias, com respectivos métodos e técnicas, que através de suas análises supunham compreender e explicar a realidade dos temas estudados. Porém, se a busca de conhecer a vida em sociedade é um território fértil para a proliferação de teorias, resta o problema de saber quais são àquelas que efetivamente conseguem esse intento. Isso significa que se deve eleger critérios de verificabilidade para se chegar a consensos sobre a sua veracidade.

Nas Ciências Sociais, diria que as teorias mais consistentes são aquelas que têm estreita relação explicativa com as realidades com as quais se relacionam. Mas isso não resolve a questão, pois todas argumentam estar enraizadas na realidade. No máximo aceitarão que suas diferenças são de enfoque ou ênfase em determinados aspectos do contexto social. Como consequência, as teorias seriam datadas, isto é, restritas apenas às sociedades e o período histórico a que são vinculadas, no entanto elas devem abdicar de fazer generalizações.

Mas, se a realidade deve ser o critério fundante para a veracidade das teorias, deve-se saber o que é essa realidade. Aqui me parece que temos de adotar uma posição radicalmente objetiva e polêmica: diante do real, controlar ao máximo as emoções e “olhá-lo como ele é e não como desejamos que ele seja”.

Essa dificuldade não é característica exclusiva das Ciências Sociais, ela é comum às ciências humanas. Aliás, é comum também às ciências que são chamadas da natureza, como a astrofísica, que para tentar explicar a origem do universo tem vários modelos explicativos; ou a física quântica, que tem como certeza que no mundo do “infinitamente pequeno” prevalece a indeterminação de suas leis, pois as partículas subatômicas comportam-se como energia e matéria ao mesmo tempo, sem necessariamente ser uma coisa e outra. Daí os cientistas dessas áreas consentirem que a história de suas ciências é um cemitério de teorias.

Mas, nas ciências da natureza, quando se estabelece o consenso sobre a verdade de uma constatação teórica elas têm como fiadora a “realidade experimental da natureza”, que funciona como conceito unificador dessas ciências; o mesmo não acontece com as Ciências Sociais, a não ser que... A não ser que se estabeleça um conceito unificador para as Humanidades, como o de “natureza humana”; ou, pelo menos, um princípio ético, que garanta validade para teorias que não atentam contra a integridade e a liberdade dos humanos, como fazem as teorias eugênicas ou as que legitimam estados totalitários.

Assim, chegamos a uma multiplicidade de modos de ver o mundo, como se fossem lentes de diversas cores, cada qual reivindicando enxergá-lo e entendê-lo com melhor acuidade. Acho que esse é o grande problema das Ciências Sociais contemporâneas, a saber: quais as teorias mais precisas e válidas?! Não enfrentá-lo é correr o risco de descrédito diante da sociedade, por causa da aspiração de credibilidade ainda pretendida por teorias ultrapassadas pelo tempo e pelo aperfeiçoamento do conhecimento sobre o comportamento humano.

Outro grande problema, e o que me parece justificar a necessidade de um conceito ou princípio unificador, é a sintonia e adequação das teorias a rápida transformação dos contextos sociais. Os fenômenos sócio-econômicos, políticos e ecológicos são compartilhados globalmente, processo que acelerou nas últimas três décadas, o que implica transformações no perfil das sociedades em escala sem precedentes, impactando nas representações coletivas e comportamentos das sociedades.

Para os cientistas sociais, significa a necessidade de atualização permanente, não apenas na sua área de origem, mas, também nas áreas com as quais elas têm interfaces, como a história, a economia e a biologia evolutiva. A realidade do mundo em volta, que exige qualificação e requalificação constante dos processos de trabalho, ecoando a “destruição criativa”, de Joseph Schumpeter, atinge as Ciências Sociais frontalmente: teremos capacidade, tempo e, por que não dizer, saúde física e mental, para elaborarmos análises que possam dar conta de um mundo em célere transformação, líquido como diria Zigmunt Bauman; desmanchando-se no ar, como diria Marx; anômico, como diria Durkheim?!

O conceito ou princípio unificador busca captar o que é permanente e permeia a história humana ao longo do percurso das sociedades que se sucederam. É certo que as realidades estão em permanente transformação, é até um lugar comum reafirmar isso, mas no curto espaço temporal da vida das pessoas elas optam pela permanência e estabilidade de suas vivências e abominam as mudanças, não obstante elas ocorram e tragam sofrimento e depois adaptação. Talvez o que incomode tanto as Ciências Sociais contemporâneas, ou pelo menos parte dela, é se deparar com um contexto civilizatório que tenha encontrado na mudança constante a condição de sua estabilidade. Basta refletir sobre o debate modernidade e pós-modernidade, que na maioria das vezes esquece de pensar primeiro o que significa ser moderno. Uma sociedade que se auto-define como moderna, significa uma sociedade que nunca perde a atualidade, porque ela se transforma para permanecer. Isso pode ser apavorante!