Geraldo Filho |
Artigo de autoria de
Geraldo Filho – Sociólogo, Bacharel e Mestre: professor do Campus
da UFPI de Parnaíba
*Esse texto é voltado
particularmente para profissionais de ciências sociais ou para quem
ministra disciplinas de ciências humanas em geral no ensino de todos
os níveis, no entanto, deve despertar o interesse de qualquer
curioso pelo estranho desejo de compreender o espírito humano.
Não é tarefa fácil
fazer reflexões sobre as Ciências Sociais e seu enraizamento na
realidade contemporânea. Isso decorre da pluralidade de teorias que,
a partir dos clássicos (e aqui me refiro aos denominados fundadores:
Marx, Durkheim e Weber; sem levar em consideração outros autores,
que certamente exerceram forte influência no desenvolvimento dessas
ciências) foram se acumulando, e se diferenciando, à procura de
responder com a melhor objetividade e eficiência intelectual os
desafios que a complexidade das sociedades impuseram.
Portanto, herdou-se uma
diversidade de teorias, com respectivos métodos e técnicas, que
através de suas análises supunham compreender e explicar a
realidade dos temas estudados. Porém, se a busca de conhecer a vida
em sociedade é um território fértil para a proliferação de
teorias, resta o problema de saber quais são àquelas que
efetivamente conseguem esse intento. Isso significa que se deve
eleger critérios de verificabilidade para se chegar a consensos
sobre a sua veracidade.
Nas Ciências Sociais,
diria que as teorias mais consistentes são aquelas que têm estreita
relação explicativa com as realidades com as quais se relacionam.
Mas isso não resolve a questão, pois todas argumentam estar
enraizadas na realidade. No máximo aceitarão que suas diferenças
são de enfoque ou ênfase em determinados aspectos do contexto
social. Como consequência, as teorias seriam datadas, isto é,
restritas apenas às sociedades e o período histórico a que são
vinculadas, no entanto elas devem abdicar de fazer generalizações.
Mas, se a realidade
deve ser o critério fundante para a veracidade das teorias, deve-se
saber o que é essa realidade. Aqui me parece que temos de adotar uma
posição radicalmente objetiva e polêmica: diante do real,
controlar ao máximo as emoções e “olhá-lo como ele é e não
como desejamos que ele seja”.
Essa dificuldade não é
característica exclusiva das Ciências Sociais, ela é comum às
ciências humanas. Aliás, é comum também às ciências que são
chamadas da natureza, como a astrofísica, que para tentar explicar a
origem do universo tem vários modelos explicativos; ou a física
quântica, que tem como certeza que no mundo do “infinitamente
pequeno” prevalece a indeterminação de suas leis, pois as
partículas subatômicas comportam-se como energia e matéria ao
mesmo tempo, sem necessariamente ser uma coisa e outra. Daí os
cientistas dessas áreas consentirem que a história de suas ciências
é um cemitério de teorias.
Mas, nas ciências da
natureza, quando se estabelece o consenso sobre a verdade de uma
constatação teórica elas têm como fiadora a “realidade
experimental da natureza”, que funciona como conceito unificador
dessas ciências; o mesmo não acontece com as Ciências Sociais, a
não ser que... A não ser que se estabeleça um conceito unificador
para as Humanidades, como o de “natureza humana”; ou, pelo menos,
um princípio ético, que garanta validade para teorias que não
atentam contra a integridade e a liberdade dos humanos, como fazem as
teorias eugênicas ou as que legitimam estados totalitários.
Assim, chegamos a uma
multiplicidade de modos de ver o mundo, como se fossem lentes de
diversas cores, cada qual reivindicando enxergá-lo e entendê-lo com
melhor acuidade. Acho que esse é o grande problema das Ciências
Sociais contemporâneas, a saber: quais as teorias mais precisas e
válidas?! Não enfrentá-lo é correr o risco de descrédito diante
da sociedade, por causa da aspiração de credibilidade ainda
pretendida por teorias ultrapassadas pelo tempo e pelo
aperfeiçoamento do conhecimento sobre o comportamento humano.
Outro grande problema,
e o que me parece justificar a necessidade de um conceito ou
princípio unificador, é a sintonia e adequação das teorias a
rápida transformação dos contextos sociais. Os fenômenos
sócio-econômicos, políticos e ecológicos são compartilhados
globalmente, processo que acelerou nas últimas três décadas, o que
implica transformações no perfil das sociedades em escala sem
precedentes, impactando nas representações coletivas e
comportamentos das sociedades.
Para os cientistas
sociais, significa a necessidade de atualização permanente, não
apenas na sua área de origem, mas, também nas áreas com as quais
elas têm interfaces, como a história, a economia e a biologia
evolutiva. A realidade do mundo em volta, que exige qualificação e
requalificação constante dos processos de trabalho, ecoando a
“destruição criativa”, de Joseph Schumpeter, atinge as Ciências
Sociais frontalmente: teremos capacidade, tempo e, por que não
dizer, saúde física e mental, para elaborarmos análises que possam
dar conta de um mundo em célere transformação, líquido como diria
Zigmunt Bauman; desmanchando-se no ar, como diria Marx; anômico,
como diria Durkheim?!
O conceito ou princípio
unificador busca captar o que é permanente e permeia a história
humana ao longo do percurso das sociedades que se sucederam. É certo
que as realidades estão em permanente transformação, é até um
lugar comum reafirmar isso, mas no curto espaço temporal da vida das
pessoas elas optam pela permanência e estabilidade de suas vivências
e abominam as mudanças, não obstante elas ocorram e tragam
sofrimento e depois adaptação. Talvez o que incomode tanto as
Ciências Sociais contemporâneas, ou pelo menos parte dela, é se
deparar com um contexto civilizatório que tenha encontrado na
mudança constante a condição de sua estabilidade. Basta refletir
sobre o debate modernidade e pós-modernidade, que na maioria das
vezes esquece de pensar primeiro o que significa ser moderno. Uma
sociedade que se auto-define como moderna, significa uma sociedade
que nunca perde a atualidade, porque ela se transforma para
permanecer. Isso pode ser apavorante!