15 de abril de 2008

EXECUÇÃO PENAL: a participação da comunidade é importante?

Artigo de autoria de Marcos Antônio Siqueira da Silva Defensor Público

Segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de todos, como dispõe a Constituição Federal (CF), artigo 144. Neste dispositivo chama atenção a expressão “responsabilidade de todos”. Afinal, o quê ela significa?

Como o dispositivo conclui afirmando que a segurança pública “é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, fica claro que a “responsabilidade” mencionada é para todos os que querem conviver na sociedade com ordem, proteção da vida, da liberdade e do patrimônio, participantes da comunidade.

Assim, cada homem, mulher, criança, adolescente, jovem, idoso, enfim, todos os membros de uma comunidade de pessoas, têm responsabilidade, solidária, para efetivar a segurança pública.

Como isso pode realizar-se na prática? Aí é que começa a dificuldade, pois as organizações policiais, de diversos tipos e funções específicas, enfrentam dificuldades no país devido à escassez de pessoal bem treinado e instruído adequadamente, bem como de equipamentos e instalações adequadas para o exercício de suas atribuições.

A cooperação da comunidade, portanto, é fundamental para suprir essas deficiências, tal como, por exemplo, a disposição para ser testemunha, fornecendo à autoridade policial informações sobre a ocorrência dos delitos, de forma espontânea. Porém, quem é que, vendo um crime ocorrer apresenta-se numa delegacia de polícia, voluntariamente, e informa o que viu ou ouviu?

Na minha experiência como defensor público por 21 anos, em Parnaíba, tenho ouvido de várias pessoas que já atendi, com participação em ações civis ou penais, que até há pessoas que conhecem os fatos com os quais têm interesses, porém, não querem “se envolver”.

Nessa situação não há como cobrar de uma polícia despreparada e sem informações da comunidade, eficiência.

Contudo, segurança pública não passa tão somente pela prevenção ao crime ou pela repressão policial e judicial ao crime, mas é também caso de execução penal.

A execução penal garante que uma sentença ou decisão criminal, proferida após a apuração da ocorrência de um crime ou até durante a mesma, seja efetivada, assegurando-se que o condenado cumpra a pena imposta ou que a prisão provisória seja cumprida, e objetivando a integração social para o condenado.

E isso é diretamente relacionado com a segurança pública, pois sendo a privação da liberdade uma pena temporária, quando imposta em sentença criminal condenatória, o retorno da pessoa condenada, ao fim da pena, é de interesse de toda a sociedade, de todas as pessoas.

Aquele que foi condenado, após cumprida a pena, em retornando a conviver na comunidade precisa se integrar e não oferecer mais insegurança.

Como é que as pessoas, a comunidade, vê quem foi condenado e está cumprindo a sua pena em algum estabelecimento penal, ou já a cumpriu e foi libertado em definitivo, precisando se readaptar ao convívio familiar e social, voltar a trabalhar, sendo produtivo, e fugindo das tentações da reincidência criminal?

Infelizmente, o tema execução penal, prisões, é marcado por uma “invisibilidade” social, pois a sociedade, as pessoas, não o querem na sua frente. As prisões ficam, quando muito, na sombra, somente saindo quando ocorrem crises, como em 2006, quando o grupo conhecido como PCC comandou ações de assassinatos de agentes públicos e paralisou São Paulo. Atacado o problema com respostas imediatas, e ampla cobertura jornalistíca, mas sem aprofundar o diagnóstico das causas, a fim de enfrentá-las, voltam as prisões a serem invisíveis.

Não há participação da comunidade, das pessoas, para assumir sua responsabilidade com a segurança da sociedade como um todo. E, em especial, a segurança decorrente da execução penal, parte importante da definição de “segurança pública”.

A Lei de Execução Penal (LEP), nº 7.210, de 11 de julho de 1984, tem um dispositivo interessante, que é o seu artigo 4º, que mereceria a atenção das autoridades e das pessoas, mormente para que se buscasse formas de ser efetivado.

Diz o referido artigo 4º: “O Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança.”

Esta norma tem uma dimensão enorme, sendo um indicativo para que se realize o mandamento da CF, artigo 144, segundo o qual a segurança pública é responsabilidade da sociedade, da comunidade, das pessoas.

Pergunta-se: o Estado, seja a União, os Estados da federação, o Distrito Federal ou os Municípios, o quê têm feito pela segurança pública, no tocante à execução penal, para chamarem a comunidade a cooperar?

Há projetos para isso? Planejamento? Programas a executar?

Na mesma LEP, em outros de seus dispositivos, artigos 80 e 81, está previsto a existência de um órgão chamado de Conselho da Comunidade, existindo em cada comarca – que é uma divisão orgânica dos municípios para fins jurisdicionais – com a sugestão de sua composição mínima, cabendo ao juiz de direito da execução penal a sua composição e instalação.

Mesmo que a composição mínima não possa ser alcançada, por ausência de representantes de associações comercial ou industrial, da OAB ou do Conselho Nacional de Assistentes Sociais, o Conselho da Comunidade pode ser composto de forma livre e instalado, com pessoas da comunidade, em qualquer número, pelo juiz competente para cuidar da execução penal.

E, assim, agir nas atribuições previstas na dita LEP, dentre as quais há que se destacar: “I- visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na comarca; II - entrevistar presos; III - apresentar relatórios mensais ao juiz da execução e ao Conselho Penitenciário; IV - diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento”.

Com ações comunitárias que cumpram esses quatro objetivos, as prisões sairão da invisibilidade, sendo um assunto do interesse das comunidades onde se localizam e nas quais cumprem sua função, que é reter as pessoas que cometem ou cometeram crimes – ainda mais se recebessem uma cobertura dos meios de comunicação social, sem maniqueísmos e preconceitos, mas instrutivos.

RESOLUÇÃO CNPCP Nº 2, DE 27 DE MARÇO DE 2001 (CNPCP – outro órgão da execução penal: Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), previu:
“Art. 1º A liberação dos recursos financeiros, de competência do DEPEN, está condicionada à apresentação, pelas Unidades Federativas, dentro de cronograma a ser previamente aprovado pelo órgão, dos seguintes objetivos a alcançar: 1. ...; 2. ...; 3. criação dos Conselhos da Comunidade previstos nos arts. 80 e 81 da Lei de Execução Penal, que, além das atribuições previstas, fiscalizará a aplicação dos recursos do FUNPEN nos estabelecimentos penais, auxiliando o sistema judicial de execução penal”.

Cumpre esclarecer que DEPEN é o Departamento Penitenciário Nacional, outro órgão da execução penal, de apoio administrativo e financeiro do CNPCP, e que administra, assim, os recursos financeiros arrecadados para o FUNPEN, Fundo Penitenciário Nacional (dotado de recursos públicos e privados para aplicação na execução penal), previsto pela Lei Complementar 79, de 7 de janeiro de 1994.

Ora, pela Resolução CNPCP nº 2, a instalação do Conselho da Comunidade, além de vantajosa pelas suas atribuições específicas e garantidora da cooperação comunitária na execução penal, é imprescindível para que os recursos do FUNPEN cheguem aos Estados da federação; além de tais recursos poderem ser fiscalizados pela comunidade, através do mesmo Conselho da Comunidade.

Aí, sim, por um conjunto articulado de ações das autoridades públicas e de pessoas da comunidade onde a execução penal ocorra, em penitenciárias, colônias agrícolas ou similares, casas de albergados, cadeias públicas, hospitais psiquiátricos, a segurança pública terá a responsabilidade de todos os interessados, aqueles para os quais o que ocorre nas prisões deve estar bem visível, bem a descoberto, sem sombras a esconder.

Para que isso ocorra, há que muitos envolvidos atuem e exercitem suas responsabilidades públicas, mas também as comunidades, as pessoas, reunidas em associações de moradores, clubes sociais, escolas, instituições de ensino superior – dentre estas, em especial as de ensino do bacharelado em direito, sem exclusão de outras interessadas –, igrejas, OAB e partidos políticos (estes, organizações importantes de educação cívica e democrática da sociedade, um tanto ou muito omissos com os problemas da execução penal e segurança pública do país).

Infelizmente, nem a Parnaíba, como também outras comarcas do Piauí, tem seu Conselho da Comunidade, e as pessoas não exercitam sua responsabilidade em segurança pública, na execução penal. Há omissão do judiciário, do executivo, do legislativo, como manifestações do poder político, para enfrentar essa questão, e, consequentemente, omissão das pessoas, das comunidades.

Este artigo, de forma modesta, talvez insuficiente, visa despertar seus leitores para a questão da segurança pública e da execução penal, como “responsabilidade de todos” – não só autoridades policiais ou judiciárias –, mas de toda e qualquer pessoa, tenha ou não alguém condenado, cumprindo pena, ou processado por um crime, já preso provisório ou que possa vir a ser.