4 de setembro de 2008

A Hipocrisia da Caridade

Artigo de autoria de Geraldo Filho (Sociólogo, Bchl e MSc: professor do CMRV/UFPI, Coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação)

A campanha eleitoral de 2008 (prefeitos e vereadores) começou. Como de costume, por dever de ofício, presto atenção ao programa eleitoral gratuito, na televisão, sobretudo nos discursos.

Quem foi meu aluno na UFPI aprendeu, ou pelo menos deveria ter aprendido, para o bem de sua vida (já que preparo pessoas “para” o mercado e não para professarem “utopias”), que é suficiente aplicar os critérios de verificação da validade e veracidade de um discurso (desenvolvidos no âmbito de uma teoria da ação comunicativa, pelo cientista social alemão Jürgen Habermas, ainda vivo), para desmontar as falas de boa parte dos candidatos.

A teoria propõe que, de maneira progressiva, se passe qualquer discurso pela avaliação de quatro critérios. O que foi dito é válido e verdadeiro se vencer as barreiras representadas por estes critérios, se cair no 1° não adianta seguir em frente, o mesmo se aplica para os demais.

Resumidamente, o esquema é:

1. Tudo o que foi dito deve ser compreendido por todos, ouvintes ou leitores;
2. Qual é a credibilidade (a mentira tem pernas curtas!) daquele que disse;
3. Qual o fundamento na ciência comprovada pelos fatos (portanto não- especulativa) daquilo que foi dito;
4. Qual a motivação ética daquele que disse (porque você quer fazer o bem?!).

Convenhamos, com essa guilhotina, os tribunais eleitorais brasileiros teriam seu trabalho substancialmente reduzido.

Mas, ocorre-me que podem argumentar que são critérios de uma teoria sofisticada, distante, portanto, do alcance da população em geral.

Concordo! Porém, também me ocorre uma outra observação, que os eleitores perceberão simples de fazer. A maior parte dos candidatos promete trabalhar pelos “mais carentes”, “mais pobres”, “menos favorecidos”, “excluídos”, “pelos humildes”, etc. Evidentemente que há por trás dessas promessas uma clara insinuação religiosa, que tem como objetivo atingir os sistemas cerebrais responsáveis pela emoção, ao remeter os possíveis eleitores para reflexões dessa natureza. Como a maioria é cristã, católica ou protestante, eles supostamente podem ser levados a se identificar com propostas que tenham motivação caritativa.

Eis, portanto, o festival de postulantes a franciscanos no horário eleitoral gratuito. Todos querem ajudar o próximo, mas... como ninguém é de ferro e a oração permite (“...é dando que se recebe...”), desde que o próximo vote neles.

Isso desvenda a hipocrisia da caridade. Ninguém ajuda ninguém, gratuitamente ou desinteressadamente! É esse o estado natural do humano. Ao se fazer caridade, previamente e posteriormente, se está fazendo bem a si próprio. Eu não vejo problema nisso, mas os religiosos adoram a mistificação de que se deve fazer o bem sem se esperar retorno. Até o mais humilde dentre os humildes escondia uma ambição: ser, ao imitá-lo, igual a Cristo!

O problema, para os candidatos, é se os eleitores perguntarem: Por que vocês só querem ser franciscanos de 4 em 4 anos?! Por que só querem fazer caridade com o dinheiro da população (impostos)?! Onde, durante esse espaço de tempo, esse exército de caridosos se esconde, quando há tanta gente para ajudar?!