Artigo de autoria de Geraldo Filho - Sociólogo, Bchl e MSc: professor do CMRV/UFPI
A teoria psicanalítica e sócio-antropológica sabem que o momento crucial na terapia de um paciente é o reconhecimento do seu problema, a conscientização e identificação dos fantasmas mais profundos do inconsciente que o atormentam.
Após 120 anos (1889-2009) de um pecado criminoso cometido contra uma família de brasileiros, formada por dois idosos, adultos e crianças, a pena do exílio, o Brasil ainda não chorou este erro, e agoniza um longo pesadelo de mais de um século, sem saber a razão.
Cientistas sociais e historiadores brasileiros, a maior parte, pasmem, não conhecem a história do Brasil! Há dois anos comecei a estudar novamente a Colonização e o Império, e me detive nos autores que estão redescobrindo figuras magníficas da história do país, que normalmente pouca atenção despertam (pela incapacidade de se costurarem nexos causais entre o passado e o presente), dentre elas Pedro II.
Pedro II e sua família, a família imperial, foram às vítimas dos ancestrais desses tipos desprezíveis que infestaram a política nacional desde o golpe republicano de 15 de novembro de 1889, que fizeram da demagogia da vontade geral (popular), de Jacques Rousseau, o trampolim para a conquista e manutenção do Estado.
A história condena, mais cedo ou mais tarde, todo o processo social e político inspirado por princípios demagógicos. A Revolução Francesa (1749), guiada pela igualdade e liberdade, gerou Napoleão Bonaparte, um imperador que satisfez sua megalomania levando milhares de franceses à morte. A Revolução Russa (1917), guiada pelo socialismo igualitário, criou um monstro totalitário, a União Soviética, que levou outros milhões ao extermínio. A Proclamação da República (1889), guiada por quem ou pelo quê?!...Bem! Aí... a coisa complica!
Mais para o mau do que para o bem, os terrores da guerra e do sangue, vividos e derramado pelos franceses e russos, resultado daquelas experiências sociais utópicas, os obrigaram às lágrimas, ao pedido de perdão pelo mal que fizeram a tantos irmãos que sofreram e morreram em nome daquelas utopias inconseqüentes. Aos poucos, essa dor da alma os tornou mais civilizados, ou menos irrealistas.
No caso do Brasil, não houve guerra nem sangue. Os monarcas não foram mortos, como os reis franceses e os czares russos. Mas, foram mandados embora, sem piedade, às pressas, pois, os golpistas republicanos temiam (em razão da ilegitimidade do golpe, já que não tinham nenhum apoio popular) que sua presença em solo pátrio galvanizasse a opinião pública em torno deles contra tudo o que veio depois.
E o que veio depois?! Um país engessado no tempo, preso no passado. Um bando de militares e políticos republicanos despreparados (em concepção e capacidade) para o exercício do poder político e administrativo, a maior parte opositora (só para se ter uma idéia de quem eram) das tentativas de abolição de escravatura feitas com o apoio de Pedro II e Izabel, nas últimas décadas do Império.
O que estas pessoas construíram?! Uma estrutura institucional sem raízes na sociedade brasileira. Republicana na forma, mas patrimonialista no conteúdo: não era o povo, pelo mérito do concurso ou do desempenho, que a ocupava.
Normalidade republicana só houve durante 08 anos, ao longo destes 120: 41 anos de República Velha; 15 anos de Getúlio Vargas (Revolução de 30 e Estado Novo); 18 anos de populismo (nesse período “inventou-se” Brasília, monumento a ignorância de um país pobre); 21 anos de militares nacionalistas (que não conseguiram perceber os benefícios do início da globalização); 09 anos de Nova República (aqui avultam “Sarney” e “Collor”, sem comentários); finalmente a normalidade republicana, com Fernando Henrique Cardoso, 08 anos,1995-2002 (que conseguiu o maior feito dessa era, ao debelar a inflação, estabilizar a economia, fazer o país crescer e distribuir renda); aí... depois disso (2003-...), como a recidiva de um doente que teima em sofrer, ao não conseguir exorcizar do inconsciente o crime contra Pedro II, retornamos para 1889, e à demagogia populista.
Se o Brasil não tivesse interrompido, com o golpe republicano, a modernização adaptativa que o Império vinha processando, com as reformas imaginadas por Pedro II e Izabel, que teria continuidade com os herdeiros do trono (pois a preocupação com a preparação intelectual da família era obsessão de Pedro II), provavelmente, o país hoje fosse uma monarquia parlamentar nos moldes da Inglaterra.
Pedro II foi profético ao avaliar as dificuldades que encontrava para conduzir o Brasil na direção da modernidade. Respeitado como era internacionalmente, na Europa e nos EUA, no meio político e acadêmico da época, pelos seus vastos conhecimentos, tinha consciência do abismo que o separava daqueles que o cercavam e diziam representar os “interesses do povo”, essa velha ficção populista manipulada por todo demagogo.
Que fale Pedro II, citado por José Murilo de Carvalho, em “D. Pedro II” (Companhia das Letras, 2007):
Quanto aos políticos, segundo ele, não tinham noção do dever: “A falta de zelo, a falta de sentimento do dever é o nosso primeiro defeito moral”. “É preciso trabalhar, e vejo que não se fala quase senão em política que é as mais das vezes guerra entre interesses pessoais”.
Sobre a administração da burocracia do Estado, queixava-se de que os ministros se preocupavam mais em premiar os correligionários ou, então, da ineficiência e ineficácia: “Tudo o que não é rotina encontra mil tropeços entre nós...”
Em relação ao judiciário, a premonição: “A primeira necessidade da magistratura é a responsabilidade eficaz, e que enquanto alguns magistrados não forem para a cadeia, como, por exemplo, certos prevaricadores muito conhecidos do Supremo Tribunal de Justiça, não se conseguiria esse fim”.
Sobre a opinião pública: “O sistema político do Brasil funda-se na opinião nacional, que, muitas vezes não é manifestada pela opinião que se apregoa como pública”.
Sobre favores: “Cumpre não indicar pessoas para cargos ou graças aos ministérios exceto em circunstâncias muito especiais de maior interesse público...”
Sobre a imprensa: “Entendo que se deve permitir toda a liberdade nestas manifestações (...) Os ataques ao Imperador (...) não devem ser considerados pessoais, mas apenas manejo ou desabafo partidário.”
As primeiras observações estão nas paginas 82 e 83, do livro de José Murilo de Carvalho. As três últimas, no mesmo livro, paginas 88 e 89, são extratos literais da carta-documento “Conselhos a Regente” (Izabel), de 03 de maio de 1871.
A coincidência das análises e impressões do Imperador com a realidade política e administrativa do país em 2009, é surpreendente. É como se estivéssemos presos numa bolha temporal, nas primeiras horas após o golpe republicano de 15 de novembro de 1889. Se Pedro II, do alto de sua estatura ética e de conhecimento, visse quem preside o Brasil de agora, reconheceria como suas palavras foram proféticas, ao ser informado de que fora deposto e a república proclamada: “Estão todos malucos!” Este vaticínio o Brasil ainda carrega como carma, Lulas, Renans e Sarneys são apenas seus executores. Paira sobre nós o fantasma de Pedro II, morto no exílio, deprimido e angustiado com saudades do Brasil.