7 de novembro de 2009

A quem o homem pertence?! (contra a tirania do povo)

Artigo de autoria de Geraldo Filho - Sociólogo, Bchl e MSc: professor do CMRV/UFPI

Recentemente, concluí estudos sobre Martin Heidegger (1889-1976), filósofo alemão que criou o “existencialismo”, forma de compreender o humano como resultado de um indivíduo sozinho no mundo (dasein), sem estar ligado a nenhum laço constitutivo (família, trabalho, país), em intensa relação de compreensão e influência oposta das várias dimensões desse mesmo mundo ao seu redor (fenomenologia).

É um pensamento fascinante, pela busca desesperada que o indivíduo deve fazer para viver a liberdade conscientemente. Sartre, que inspirado por Heidegger criou o “existencialismo francês”, traduziu esse desespero pela liberdade ao afirmar que o ser humano estava “condenado” a ser livre.

Mas, o fascínio da liberdade absoluta proposta pelos dois, o que significa ter de “escolher” permanentemente e sobre tudo no decorrer da vida, revelou-se realmente desesperador. Provavelmente, seja essa uma das explicações para a coincidência de ambos terem apoiado e militado por ideários autoritários, o nazismo (Heidegger) e o comunismo stalinista (Sartre). Contra o vazio existencial das escolhas individuais sem certezas sólidas, colocou-se a segurança dos conceitos de líder (führer), partido único e pátria.

Contra o perigo do desespero da liberdade descortinado por Heidegger, não obstante ele seja sedutor, deve-se confrontar as idéias do francês Julien Benda, que em 1927, 10 anos após a revolução comunista russa de 1917 e 06 anos antes da ascensão do nazismo na Alemanha, em 1933, escreveu um livro fundamental: A Traição dos Intelectuais.

Segundo Julien Benda, a traição dos intelectuais começa quando aqueles que deveriam defender, pelo esclarecimento, os valores universais da verdade, da justiça e da liberdade renunciam em favor das forças irracionais do instinto, do espírito popular (o povo), da intuição (exaltação da ignorância, entendida como falta de conhecimentos formais).

Ainda segundo Benda, caberia aos intelectuais, a tarefa de preservar os valores universais da humanidade contra os ataques do espírito político de cada contexto histórico. Como os “leigos” (pessoas em geral, senso comum) poderiam se defender da ilusão da sabedoria do romântico e volúvel espírito popular, se eles próprios (os intelectuais) estavam envolvidos por essa ficção política?!

Contra estas ilusões românticas populistas, que reverenciam a ignorância de líderes políticos por que têm origens “populares”, Benda relembra o filósofo francês Renan: “O ser humano não pertence nem a sua língua nem ao seu povo; ele pertence unicamente a si mesmo, pois é um ser livre, isto é, um ser moral.” (Cf. Rüdigger Safranski, Heidegger, 2005).

Em 2009, 82 anos após o aparecimento de A Traição dos Intelectuais, o Brasil e o resto da América Latina apresentam contextos políticos e intelectuais semelhantes aqueles contra os quais Julien Benda escreveu seu livro, pois as instituições políticas, educacionais, jurídicas, religiosas, estéticas, estão sendo arruinadas pelo romantismo vulgar da sabedoria participativa do povo. Particularmente no Brasil, essa tendência se disfarça envolvendo-se na bandeira de uma tal cidadania e democracia, que serve para tudo, e que ninguém define precisamente o significado.

Sobre a ruína das instituições políticas, o individuo é obrigado a votar em candidatos que se eleitos, e de acordo com a decantada soberania popular do voto, tornam-se cidadãos incomuns; de acordo com o atual presidente do Brasil (2009), que ao defender o senador José Sarney de acusações de corrupção no senado, afirmou que ele não poderia ser tratado como um cidadão comum. Melhor ainda, os candidatos não precisam ser profissionalmente bem sucedidos, nem mesmo ter formação acadêmica.

Sobre as instituições educacionais, o país continua analfabeto. O vexame de 70 e poucos doutores e 30 e tantos mestres, para não falar dos graduados, concorrendo em 2009, no Rio de Janeiro, por vagas para gari, é um sintoma grave do tipo de capital humano produzido pelas universidades. Aliás, o IDEB (índice de desenvolvimento da educação básica), revelou que 74% dos brasileiros não conseguem ler e entender um pequeno texto, esse dado explica a situação descrita.

Sobre as instituições jurídicas, a sensação de desamparo e insegurança da população chega a ser mórbida. Direitos e mais direitos concedem-se aos criminosos, como progressão de pena, visita íntima (sexo), privacidade com advogados e parentes. Até as baratas da lua sabem que estes são os canais de informação entre a rua e o presídio, menos as instituições jurídicas. A população, atordoada, clama por paz, mas é ingênua e ignorante para clamar por guerra, total e aberta contra seres ex-humanos (que perderam o status de humanos, ao barbarizarem inocentes com assaltos, seqüestros, estupros e abusos sexuais de qualquer natureza).

Sobre as religiões, o espetáculo de milhões de alienados sendo extorquidos, em Nome de Jesus, por religiões de rapina, chega ser cômico, não fosse trágico. Só mentes doentes não conseguem ver o estelionato metafísico a que são submetidas.

Sobre a estética, confunde-se no Brasil ao paroxismo (exagero) absurdo arte com entretenimento. Se houver o rótulo de popular em qualquer expressão musical, de dança, artesanato, teatral, cinematográfica, etc...é arte! Não é. Arte é o que é sublime e admirado pelo espírito humano em todas as sociedades e a qualquer tempo. Entretenimento é próprio de um reduzido contexto social ou de época. Ou você acha leitor, que os Concertos de Brandemburgo, de Johann Sebastian Bach, podem ser comparados como arte, aos raps e funks cariocas ou ao “você não vale nada mas eu gosto de você”, do Calcinha Preta?!