O Governo Federal acaba de anunciar um conjunto de medidas estratégicas, com vistas a reforçar o enfrentamento ao crack e outras drogas. Consta do elenco de medidas a oferta de 6.120 leitos e a expansão dos serviços de atenção. Foi anunciada, ainda, a criação do Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Outras Drogas 24 horas (CAPS AD III) que, num primeiro momento, oferecerá mais 600 leitos aos dependentes químicos. No Centro atuarão vários profissionais da saúde, além de pedagogos e assistente social. A medida governamental seria louvável, não fosse um gravíssimo equívoco de origem: a ausência do farmacêutico na equipe.
Ora, deixar de fora da equipe justamente o profissional da saúde que é a excelência em medicamentos e em terapia medicamentosa exatamente onde necessariamente serão dispensados medicamentos é uma nonsense vexaminosa. Como acolher e tratar um dependente em síndrome de abstinência, se não por meio de uma terapia medicamentosa? E de que forma se pode conceber a idéia de se dispensar medicamentos para o desenvolvimento de uma terapia, sem que a dispensação seja realizada pelo farmacêutico?
Para encurtar a argumentação, basta dizer que o Governo comete, aí, dois erros crassos e imperdoáveis. E – o que é pior -, os erros são cometidos justamente por quem jamais deveria cometê-los, que é o Ministério da Saúde, a Pasta responsável pelo setor.
O Ministério erra, quando agride todo o vasto conjunto normativo (leis, resoluções, portarias etc.) que obriga os estabelecimentos, inclusive os que recebem pacientes em regime de internação, a manterem o farmacêutico, em tempo integral, para cuidar do armazenamento e dispensação dos medicamentos. A dispensação é um serviço exclusivo e indelegável do farmacêutico, segundo a legislação.
Erra, também, quando dá as costas para o conhecimento, para a ciência e para a técnica farmacêuticos. Eles atestam a necessidade de o profissional farmacêutico estar à frente da dispensação, por ser ele o profissional qualificado para tal. O farmacêutico é a excelência em medicamentos e em farmacoterapia, porque, na Universidade, onde fez a Faculdade de Farmácia, preparou-se intensamente para isso.
Ao cometer os dois erros tão graves, o Ministério da Saúde mergulha num poço de contradições e anacronismo, e rasga as suas próprias recomendações versadas em portarias e resoluções sobre a importância do farmacêutico no contexto da saúde. Só a título de exemplo, ao criar a Política Nacional de Medicamentos, por meio da Portaria 3916/98, que, entre outros objetivos, aponta para o uso seguro e racional de medicamentos, o Ministério da Saúde confia ao farmacêutico o papel estratégico e de liderança nesse esforço de proporcionar à população a segurança no uso do produto farmacêutico.
A orientação é recomendada pelas organizações nacionais e internacionais de saúde. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Ministério da Saúde a reconhecem como parte essencial do uso correto do medicamento que levará ao tratamento desejável, à recuperação da saúde e à cura da doença. Por isso, o Ministério afirma, categoricamente, que “a orientação é o melhor remédio”.
Mas, ao mesmo tempo, o órgão toma do farmacêutico aquilo que lhe prometera, que lhe dera. Que fique bem claro que os direitos inalienáveis do farmacêutico não podem ser aviltados, subtraídos, solapados por Ministério nenhum. Eles estão assegurados por lei e, por conseguinte, estão acima de equívocos e ambigüidades ministeriais. Esses direitos foram conquistados, ao longo de anos de luta de uma categoria digna, honrada, que marcha sob a bandeira da qualificação técnico-científica, com o objetivo de servir bem à sociedade. Portanto, os farmacêuticos têm que integrar as equipes multiprofissionais que atuarão no CPAS AD III. Não pedimos nada que não nos é de direito.
Os serviços que os farmacêuticos poderiam prestar, como integrantes das equipes multiprofissionais que atuarão nas ações de combate ao crack, são muitos. Mas fiquemos na assistência. Só, aí, já se justifica a participação dos farmacêuticos nesse esforço de salvar a juventude brasileira dessa que é considerada uma das maiores “pragas” da humanidade.
O farmacêutico poderá orientar o uso dos medicamentos e fazer o acompanhamento farmacoterapêutico do paciente dependente químico. A sua orientação é valiosíssima. Nenhum medicamento está livre de provocar um efeito adverso. Ou seja, de não apresentar o seu lado ruim. Ele pode gerar, por exemplo, graves reações adversas. É a orientação, segundo o próprio Ministério da Saúde, que faz a diferença.
Ao dispensar o medicamento, o farmacêutico, um educador e sanitarista por excelência, prestará orientações sobre o uso correto ao paciente, livrando-o do perigo de que ocorram eventos adversos de interesse clínico envolvendo medicamentos entre si e entre estes e outras substâncias, como alimentos, cigarros, álcool, drogas, plantas e fitoterápicos. Há, ainda, a possibilidade de o farmacêutico intervir no tratamento, em casos de problemas relacionados a medicamentos.
Deixar o paciente dependente de drogas sem os cuidados farmacêuticos é deixá-lo entregue à sorte. Em saúde, não se pode confiar na sorte. Quando o medicamento está envolvido no contexto, é preciso confiar nos serviços farmacêuticos.
Por Jaldo de Souza Santos
Presidente do Conselho Federal de Farmácia
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