
Depois de tantos anos
de confiança solidificada junto à sociedade e até entre os seus
pares, numa semana, dia após dia, aparecem gravações da Polícia
Federal que mostram a bipolaridade de caráter do senador. Sempre a
conta gota surgem conversas gravadas do senador com o contraventor
Carlinhos Cachoeira apontando uma relação íntima que inclui até o
repasse das matérias a serem votadas pelo Senado, com a finalidade
clara de direcionar a lei de forma a favorecer as atividades ilegais
do bicheiro.
Seguindo o ritual comum
a casos de corrupção, o advogado de Demóstenes centraliza sua
defesa numa possível ilegalidade das gravações, sob a alegação
de que foram autorizadas por instância inferior, quando deveria ter
sido pelo Supremo Tribunal Federal – STF, por se tratar de senador
da República. Ainda que se trate de filigrana jurídica, que poderá
inocentar o senador de qualquer consequência punitiva, a questão
central foi ele usar sua atividade de representante do Estado para
favorecer alguém que deveria ser punido exatamente pelo próprio
Estado. E, acredite, ele está sendo punido com prisão.
Esse detalhe de que as
gravações precisem ser autorizadas pela Justiça jamais deveria se
sobrepor ao conteúdo criminoso de qualquer gravação que
aparecesse, com exigência apenas da autenticidade comprovada, ainda
que seja de autoria desconhecida. Não resta dúvida que exigências
como esta visam tão somente livrar de punição as pessoas renomadas
ou ricas, já que pobre não necessita de gravação; elas são
estapeadas publicamente nas ruas em todo o país.
Esse detalhe menor
livrará o senador Demóstenes apenas no Judiciário, pela cultura
arraigada de não punir as pessoas do andar de cima, com sobra de
argumentos e fundamentos legais. Não será absolvido na seara
política, não pelas nobreza e retidão dos parceiros, mas por ter
feito muitos inimigos devido à ênfase na cobrança de ética por
parte dos seus colegas. Era tão sublime sua postura, que era o
primeiro a exigir a demissão de ministros envolvidos em corrupção.
Além dessa postura
similar à de um padre que abusa de coroinhas, o mais preocupante é
que, antes de senador, Demóstenes Torres se trata de um promotor
licenciado, cargo para o qual deveria voltar se deixar o Senado. O
Ministério Público de Goiás, além de evitar seu retorno, deveria
investigar todos os seus pareceres anteriores, especialmente aqueles
proferidos em ações de interesse do seu pupilo. Não se pode
conceber a idoneidade de quem trai seus próprios colegas, apenas por
mudar de atividade. Depois de Fernando Gabeira ser pego na farra das
milhas oficiais para parentes e amigos, Demóstenes Torres foi a
decepção maior.
Aproveito apenas para
alertar ao deputado federal Antonio Reguffe a não me decepcionar,
pois foi o único político que defendi num texto, com o título “um
político de verdade”. Assim como nas emendas à Constituição,
emendarei o referido texto para manter o entendimento, com a ressalva
do até aprova em contrário. Definitivamente, a renúncia seria o
mínimo gesto condizente com a dignidade que o senador demonstrava
possuir com a sua postura e a própria fisionomia. Episódios como
este só fortalecem os facínoras inveterados. Que pena, Demóstenes!
Pedro Cardoso da Costa
– Interlagos/SP
Bacharel em Direito