No Brasil alguns
problemas são eternizados propositadamente, envolvem todos os
segmentos sociais, bem como todas as áreas da administração
pública. Com a paralisação de servidores de vários setores da
Administração Federal obriga voltar à discussão sobre a
conceituação de greve.
Sem dúvida uma matéria
muito controversa tanto para quem defende o direito irrestrito à
greve quanto para as autoridades governamentais diante de limites
orçamentários e em razão de prioridades administrativas. Em média
o servidor federal recebe salário inicial acima de R$ 4 mil reais.
Qualquer reajuste para um milhão de servidores gera uma despesa
bilionária aos cofres públicos, o que facilita a defesa de que
seria mais relevante investir esses bilhões na saúde pública, por
exemplo.
Nunca se comprovou a
ligação entre a precariedade da saúde pública e os valores
recebidos pelos servidores. Além disso, poderiam ser cortados gastos
desnecessários ou mal aplicados em outras áreas. Um bastante grave
é a quantidade de cargos comissionados e funções de confiança,
nunca enfrentado por ninguém e nem sequer criticado pela mídia.
Os valores astronômicos
pagos por alugueres de milhares de prédios não se justificam sob
quaisquer aspectos, a não ser a manutenção de benesses a alguns
privilegiados com o dinheiro da viúva. Em pouco tempo o dinheiro
gasto em aluguel daria para a aquisição dos mesmos imóveis locados
ou de outros nas mesmas condições. Agora é sobre a greve ou o
direito a ela por servidores públicos que se deve discutir.
Expressamente a
Constituição assegura, no artigo nono, esse direito aos servidores,
competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de
exercê-lo e sobre os interesses que devam defender. Entretanto, no
parágrafo primeiro do mesmo artigo há a ressalva de que uma lei
deveria regulamentar esse direito e dispor “sobre o atendimento das
necessidades inadiáveis da comunidade”. Há previsão ainda da
necessidade de se punir os abusos, uma redundância, já que abuso
sempre deve ser punido.
Depois de 24 anos da
entrada em vigor da Constituição, o Congresso Nacional ainda não
regulamentou esse direito. Isso gera uma série de distorções na
decretação e condição de greve, na repressão policial, nas
diversas ameaças dos governos, no consciente coletivo e,
principalmente, nas decisões judiciais a definirem percentuais de
grevistas e na cobertura da imprensa.
Recente sentença
determinou o fim da operação-padrão. Um contrassenso em si.
Primeiro, por que padrão deveria ser a regra para todo serviço
público. Depois, uma sentença judicial a obrigar à execução de
um serviço de forma irregular e não como deveria ser feito.
Mais grave de tudo foi
a generalização da ideia de que as greves não podem prejudicar
terceiros, a população, que nada teria a ver entre os grevistas e o
governo. Como assim? Então existe greve que não seja para
prejudicar alguém? Pela própria definição de servidor público
não teria como fazer greve sem prejudicar alguém. O mesmo serve
para as empresas privadas. Não existe como prejudicar diretamente o
patrão sem atingir os seus clientes, e na administração pública
os principais interessados são as pessoas. Essa cantilena simplista
e insustentável é repetida por todos os chamados analistas
políticos. Até o sensato Alexandre Garcia repetiu essa bizarrice no
telejornal Bom Dia Brasil.
Não se faz uma análise
das perdas salariais, da perda do poder aquisitivo ao longo de um
período sem reajuste, das más condições de trabalho, da falta de
equipamentos adequados, para se chegar a um posicionamento abalizado
sobre a legitimidade ou não de uma greve. Ficar apenas no restrito
campo da legalidade denota ignorância, comodismo ou má fé; ou o
somatório de tudo isso. Se a barreira da legalidade não tivesse
sido rompida, a escravidão não teria chegado ao fim, vez que
possuir escravos era amplamente assegurado por lei.
Sem a regulamentação
do direito de greve a confusão continuará. Sem o entendimento das
condições que forçaram a deflagração, a imprensa ficará sempre
favorável aos opressores; sem a linguagem correta, a população
será uma aliada da imprensa no massacre aos servidores. Mesmo que
nenhuma das distorções citadas seja corrigida, ou mesmo que todas
tomem um rumo certo; nada muda a essência de uma greve: prejudicar
alguém. Com a deflagração de uma greve simplesmente não tem como
se opor aos governos sem causar prejuízo à população.
Pedro Cardoso da Costa
– Interlagos/SP
Bacharel em Direito