Celso Barros Coelho - Jurista |
O jurista Celso Barros
Coelho resolveu quebrar o silêncio e falar dos pontos misteriosos
que envolvem a morte da estudante de Direito Fernanda Lages, ocorrida
na madrugada do dia 25 de agosto de 2011, na Avenida João XXIII, na
zona leste de Teresina. Celso Barros disse que ‘o caso Fernanda
Lages é singular. Bem poucos se lhe assemelham, pois o que fica
evidenciado é que o interesse dominante não foi revelar os fatos
verdadeiros, mas ocultá-los’.
REPÓRTER: É
um caso realmente complexo “criminalmente”?Até que ponto?
CELSO BARROS:
Na sua primeira versão, o caso Fernanda Lages era bastante
simples. Tornou-se “complexo” com os desvios perpetrados, a
começar pela figura principal – o vigia. Este sabe de tudo e tudo
ocultou. O vigia de um prédio público exerce uma função de
natureza pública. Tudo que ocorre no local de seu trabalho é de sua
exclusiva responsabilidade. Se um objeto importante, por exemplo,
desaparece, ter-se-á de apurar a sua responsabilidade. Responderá
ou alguém por ele por atos comissivos ou omissivos. Fernanda Lages,
como é sabido e foi amplamente divulgado, entrou no prédio quando
nele estava o vigia. Era um fato que lhe despertaria atenção. Como
explicar-se que Fernanda Lages tendo ingressado no prédio, àquela
hora, subido as escadas e se lançado num gesto de suicídio, sem que
ele nada observasse? Só muita ingenuidade poderá admitir a versão
de suicídio. Sendo o vigia a figura central de tudo, sobre ele
recaiam as suspeitas e tudo devia ser prontamente apurado. Não o
foi. O vigia chegou a ser preso, mas não houve interesse em
investigar o caso envolvendo sua pessoa. De quem é a culpa?
REPÓRTER:
Houve falhas na apuração inicial?
CELSO BARROS:
Não dando a polícia qualquer importância à atuação do
vigia, outro fato digno de nota é a informação prestada, no mesmo
dia do crime, pelo técnico em imagens Manuel Eduardo. Este, em
entrevista ao Bom Dia Meio Norte, em 25 de agosto, mostrou alguns
aspectos que chamam a atenção na perícia feita no corpo de
Fernanda Lages. Apontou o sumiço de uma luva no local do crime, com
a retirada de um papelão que cobria o corpo de Fernanda Lages. Essa
imagem foi apresentada repetidamente na televisão. Mostrou também
que sacos plásticos que estavam voando no local foram usados para
guardar material recolhido junto ao corpo da estudante. Onde foi
parar esse material? Foi uma prova destruída. Mostrou ainda que a
perícia técnica da polícia usou uma máquina digital imprópria
para registro de imagens desse tipo. São falhas gritantes na
apuração do caso. O laudo cadavérico, apresentado pelo médico
legista Antônio Nunes, mostra que a estudante sofreu ferimentos
antes de sua morte. Esse documento contrapõe-se ao relatório da
Polícia, o que exigia providências imediatas para o esclarecimento
do caso. No mesmo laudo, consta que o corpo de Fernanda apresentava
lesões no lado direito, nos pés e nas mãos, provocados ainda em
vida. Tudo isso afasta a hipótese do suicídio. Não se justifica o
afastamento do delegado Mamede do processo, logo no início, sob a
alegação de que faltava estrutura para apuração do caso. Até
então tudo parecia muito claro. Daí para diante, tudo virou
mistério.
REPÓRTER:
O Sr. tem conhecimento de casos parecidos? Qual foi a conclusão
deles?
CELSO BARROS:
O caso Fernanda Lages é singular. Bem poucos se lhe assemelham,
pois o que fica evidenciado é que o interesse dominante não foi
revelar os fatos verdadeiros, mas ocultá-los. Veja-se, por exemplo,
o caso Eliza Samúdio. O corpo até hoje não foi encontrado, mas o
caso foi apurado pelas provas e indícios colhidos ao longo do
processo. Isso mostra que a lei penal avançou e muito quando o
interesse é verdadeiramente desvendar o mistério.Isso não ocorreu
no caso Fernanda Lages, onde as provas e os indícios foram
postergados.
REPÓRTER:
Apesar de uma possível reviravolta, retorno do inquérito para a
Polícia Civil, pedido de novas diligências, como o Senhor acredita
que esse caso pode ser encerrado?
CELSO BARROS:
Parece-me que a esta altura, quando os ilustres representantes do
Ministério Público pretendem afastar-se do processo, deixando de
promover a ação penal pública incondicionada, de que são
titulares, a única solução é a ação penal privada subsidiária.
É o que colhemos da lição dos eminentes penalistas Edilson
Mougenot Bonfim e Fernando Capez, ao afirmarem: “a nova
Constituição da República atribui ao Ministério Público, com
exclusividade, a propositura da ação penal pública, seja ela
incondicionada ou condicionada (CF, art. 129, I). A propósito também
os arts. 25, III, da Lei nº 8.625/93 (LONMP) e 103, VI, da Lei
Complementar nº 734/93 (LOEMP). A Constituição prevê, todavia, no
art. 5º, LIX, uma única exceção: caso o Ministério Público não
ofereça denúncia no prazo legal, é admitida ação penal privada
subsidiária, proposta pelo ofendido ou seu representante legal.” É
a providência colocada à disposição da família de Fernanda
Lages.
REPÓRTER:
A família afirma que muitos questionamentos ficaram sem resposta com
os inquéritos, como: quem era a 3ª pessoa que estava com ela e a
amiga uma hora antes, mesmo tendo sido apontado pela PF; por que ela
estava naquele prédio pela terceira vez; por que prenderam a amiga
Nayra Veloso e depois disseram que não tinha ligação com a morte,
etc. Esses questionamentos podem levar de fato à mudança da
conclusão do inquérito, na sua opinião?
CELSO BARROS:
O que afirma a família está em perfeita consonância com os
fatos verdadeiros do crime. Acompanhando o inquérito desde o começo,
sentiu a família os seus desvios. Não valeram seus protestos,
permanecendo a convicção de que a jovem estudante foi brutalmente
assassinada. O que se deu com a amiga Nayra Velosofoi o mesmo que
ocorreu com os demais provas. Não houve interesse do órgão público
em apurá-los.
REPÓRTER:
Por que há esse sentimento, em parte da sociedade, de que o caso não
foi concluído, mesmo com as duas polícias (Civil e Federal) tendo
feito as investigações e concluído seus inquéritos?
CELSO BARROS:
A sociedade sabe que foi ludibriada ante as conclusões do
inquérito. Por isso reagiu e reage. A família, por sua vez, foi
frustrada em suas expectativas de ver apurados os fatos. Quer a
verdade, que não é a do inquérito policial, pois estão evidentes
as distorções e os desvios. É a justiça que está sendo exigida,
imune às manipulações estranhas ao processo.
OBSERVAÇÃO:
A entrevista do
advogado Celso Barros Coelho foi solicitada, através de e-mail, pela
revista Cidade Verde, mas como a revista não publicou a entrevista,
o Portal AI5 resolveu publicá-la na sua íntegra,
já que o AI5 não se rende, não se vende e nem é
aliado de grupos políticos, sua única e principal missão é bem
informar, abrindo espaço a todos. Celso Barros nunca tinha dito uma
palavra sobre o caso Fernanda Lages.
Portal AI5