Em 1996, após a morte de 99 pessoas na
queda do Fokker 100 da TAM, escrevi um texto com o título "país
onde tudo fica para depois", numa alusão a uma frase do então
presidente Fernando Henrique Cardoso de que os aeroportos deveriam
ser construídos em áreas sem residências ao redor. Como tantas
outras promessas, essa não passou de um comentário.
Essa prática deve ter começado com a
descoberta do Brasil, apenas me chamou atenção devido à grande
repercussão daquele acontecimento.
Assim como era antes, continua sendo
até hoje. A Administração Pública brasileira, em todas as suas
esferas, só age após uma tragédia, ou depois de mais de um
caminhão de reais sumido pelo ralo da corrupção.
Neste ano de 2013, essa onda já
ocorreu em várias oportunidades. Iniciou-se em janeiro com o
incêndio da boate Kiss, em Santa Maria/RS, que resultou na morte de
243 pessoas. Enquanto pessoas eram torradas literalmente, as
autoridades ensaiavam o festival de desculpas. A partir daí
começou-se uma corrida Brasil afora pelo fechamento de comércios
irregulares, com uma voracidade nunca antes vista sobre as boates e
casas noturnas. Todos os funcionários sabiam que elas eram
irregulares, mas a cada falha encontrada, a expressão dos fiscais
era de cara de paisagem. A onda passou. No Brasil inteiro as boates
"kiss" continuam operando normalmente até que volte a
torrefação de mais algumas centenas de pessoas.
Em março, o país inteiro tomou
conhecimento de que o transporte de vans no Rio de Janeiro funcionava
clandestinamente. Ora, isso não precisava de informação, tanto no
Rio como nas demais cidades do país, as empresas ou os carros são
irregulares em quase sua totalidade. E que seria de conhecimento
público e notório só veio à tona por conta do martírio de uma
jovem turista americana, estuprada por um grupo de delinquentes por
várias vezes dentro de uma van. Foi a deixa para o prefeito Eduardo
Paes se dar conta das irregularidades. Com a regularização do
transporte como se um estupro tivesse ocorrido, não pela falta de
segurança, mas pelas falhas do meio de transporte.
Para não deixar dúvidas que se trata
de um modus operandi generalizado por todo o país e em todos os
ramos da administração pública, o Fórum de Bangu, bairro da
cidade do Rio de Janeiro, colocou um caminhão de detentos perigosos
para interrogatório, com a segurança de dois ou três policiais
militares.
Por consequência, o aparato que
faltava de policiais sobrou de bandidos na tentativa de resgatar
alguns comparsas, o que resultou nas mortes de um policial e de uma
criança de oito anos. Parece cristalino a possibilidade de ação
dos marginais. Mas, somente após as mortes e diante da comoção
nacional – já desmoralizada pela repetição reiterada desses
fatos -, o governador agora vai discutir a aplicação da
videoconferência para ouvir o testemunho de marginais.
Com a fala da presidente do Tribunal de
Justiça e do governador fica evidente que suas palavras são meras
conjecturas. Só na cabeça de autoridades teria relevância criar um
site restrito aos dados dos bandidos perigosos. Uma medida dessa é
desprovida de eficácia e de seriedade. Além de outras questões, a
videoconferência para ouvir qualquer pessoa e qualquer condição
deve ser utilizada pela praticidade e por ser custar menos aos cofres
públicos e não apenas por segurança.
Coroaram com a alegação de que a lei
prevê a videoconferência apenas para interrogar os acusados, não
para ouvir testemunhas. Se esse entendimento passar do governador e
alcançar mesmo as esferas judiciais seria hora de fechar a porteira,
passar a régua e começar a questionar a qualidade técnico-jurídica
da Justiça brasileira.
Pedro Cardoso da Costa –
Interlagos/SP
Bacharel em Direito