22 de maio de 2014

Fracasso de uma Esperança


Artigo de autoria de Geraldo Costa Filho – Sociólogo e professor universitário (doutorando da UFC)

O Brasil faliu! Para mim isso não constitui surpresa. Quem me acompanha há mais de 10 anos pelo mundo virtual sabe que sem ser uma Mãe Diná (falecida nesse mês), mas utilizando somente recursos de análise sociológica e econômica, venho alertando para o fracasso das instituições sociais do país, sua inadequação e falta de sintonia com a realidade.

Por vários artigos comentei sobre o perigo de idéias nefastas, de natureza política, econômica, jurídica, educacional, estética... Que vicejaram noutros países, portanto em contextos sociais e históricos diferentes do nosso (e que lá mesmo foram repudiadas e sepultadas), mas que aqui encontraram guarida, influenciando e comprometendo de modo permanente a construção e o aperfeiçoamento das instituições nacionais.

Sigo tradição analítica que comumente se chama de “as idéias fora do lugar”, que tem raízes na França do fim do séc. XIX, e que entre nós remonta a Joaquim Nabuco (que logo se manifestou contra a idéia de República, defendendo Pedro II e a monarquia parlamentar, que deveria com o tempo se modernizar, como na Inglaterra) e a Francisco de Oliveira Viana (outro que, já nos anos 30, condenava instituições sociais e políticas importadas de outras realidades históricas, logo, em franco desacordo com o cotidiano brasileiro).

Atualmente, colhe-se o que foi semeado por essas décadas atabalhoadas! A persistência de idéias ruins na origem e dinâmica das instituições estimulou características mentais e comportamentais avessas à convivência razoável entre as pessoas.

Assim, sob a inspiração da participação popular republicana, estendeu-se, indiscriminadamente (e demagogicamente!), o voto e o direito a se candidatar a cargos eletivos, sem se preocupar com qualquer cláusula de desempenho ou barreira para um e outro. O voto de alguém capaz de discernimento mediano vale o mesmo que o de alguém que nunca se esforçou sequer para se alfabetizar, não obstante existam oportunidades para isso (só no tempo correspondente à minha vida, desde o Mobral!). Por outro lado, não há cláusulas que impeçam oportunistas e parasitas sociais de se candidatarem. Esse direito deveria ser prerrogativa de pessoas profissionalmente realizadas e reconhecidas por sua sociedade. Observem a qualidade dos tipos que formam os parlamentos federal, estadual e municipal. Uma ínfima minoria deles de fato trabalhou e era reconhecida pelo sucesso profissional antes de se tornar político, pasmem, “profissional”! Não vale aqui essa lorota de ser presidente de associação de moradores ou de sindicatos, representar os outros, com exceção dos advogados, não é profissão! Nem de ser pastor, pois Deus não precisa de lobby para conceder favores!

Sob o ponto de vista econômico, desde Vargas, que pretextando fomentar o empresariado nativo e proteger a classe trabalhadora, aplicou uma draconiana legislação tributária que impede (no presente, pois a assertiva é válida para hoje), pelo encarecido custo, a concorrência aberta de produtos e serviços estrangeiros contra os nacionais, penalizando o consumidor interno com mercadorias caras e de baixa qualidade.

Além disso, construiu um estado de bem-estar social pantagruélico, gigantesco e perdulário, financiado pelos impostos diretos e indiretos sobre a renda e o consumo, que agravou mais ainda a situação dos trabalhadores, que se iludem, acreditando que o que recebem como benefícios sociais, ou através de políticas públicas universais (educação, saúde e segurança) é grátis, não sai do seu bolso, por isso mesmo não lhes cobram eficiência e eficácia. Esse monstruoso estado social, na contramão dos países que o inventaram e já o abandonaram (por meio de reformas flexibilizadoras e privatizações), atingiu o paroxismo nos governos Lula e Dilma.

A cabeça ingênua dos brasileiros não interroga o porquê não haver empreiteiras estrangeiras construindo casas ou apartamentos no Brasil? O porquê construtoras nacionais abdicarem desse ramo do setor imobiliário para se dedicarem a trabalhar para o governo fazendo obras? O porquê o transporte aéreo doméstico não estar aberto às empresas internacionais? O porquê de tão pouca (ou nenhuma) concorrência nas concessões de linhas de ônibus do transporte terrestre interestadual e intermunicipal? O porquê de em um país plano, como o Brasil, sem nenhuma cordilheira como os Andes ou os Alpes, o transporte ferroviário ter sido praticamente abandonado, tanto de cargas como de passageiros, quando desde o séc. XIX Inglaterra e Estados Unidos já estavam integrados por estradas-de-ferro?

Sobre a justiça, já comentei tantas vezes a sua falta que desnecessário é me repetir. Porém, o temor pelos que amo força-me a escrever, como se a magia das palavras pudesse esconjurar o mal da violência de uma guerra civil, não declarada, que campeia no país. É notória a incapacidade punitiva das leis! O que orienta a feitura do Código Penal e dos Estatutos como o da Criança e do Adolescente (prova cabal de alienação face à realidade violenta que nos aflige) é o princípio da “re-socialização”, não o da “punição”!

Socialização, já escrevi em livro e artigos, é treinamento para viver em sociedade, cujo início começa na família ao nascer, e se prolonga pela vida adulta. Socialização é aprender a viver com os outros, respeitando os direitos e diferenças de cada um, em qualquer circunstância existencial pela qual o indivíduo passe. Socialização não é recuperação de bandido, nem adolescente nem adulto!

É demagogia propagar, como se fosse uma profunda idéia filosófica, que todos nós somos responsáveis pela violência e a criminalidade, que todos somos culpados, como fazem irresponsáveis professores universitários, militantes esquerdistas e religiosos populistas (que trocam o pastoreio das almas pelos tais trabalhos comunitários e sociais). O objetivo é fazer as pessoas se sentirem mal e se envergonharem com o seu sucesso, criando-lhes uma má-consciência.

A sociedade não é culpada PELA violência, ela é vítima e refém DA violência! Isso tem de ficar claro. Criminosos são criminosos porque são criminosos. Têm de ser punidos de acordo com a gravidade do crime perpetrado, excluídos para sempre ou por longo tempo do convívio daqueles contra quem atentaram. É desumano para quem nenhum mal cometeu, a imensa maioria, ter de voltar a conviver perigosamente na sociedade com homicidas, estupradores, pedófilos e assaltantes. Para esses, não pode valer à condescendente “todos merecem uma segunda chance”. Perguntem se eles concederiam segunda chance para suas vítimas!

Sobre educação, ano após ano repetimos nossas deficiências. Os currículos do fundamental e do médio são enormes, e rasos! O ideal seria focar em conteúdos menores, porém necessários em termos de aplicabilidade, e aprofundá-los. O tripé desse ensino, inspirado na educação Metodista inglesa, aplicada nos Estados Unidos, pelos missionários no séc. XIX é: escrever, ler e contar.

Os brasileiros têm graves dificuldades com essas habilidades, enormemente necessárias nesse mundo tecnológico e competitivo. Os exemplos são mais eloqüentes do que as palavras: a elevada evasão nos primeiros semestres dos cursos de sistema de informação, engenharias, matemática e física, porque os alunos se deparam com disciplinas que exigem cálculo; a cândida confissão de alunos de mestrado e doutorado de Ciências Sociais de que pouco sabem sobre números; a assombrosa mudez que ecoa nas salas universitárias quando se questiona pela intimidade, mínima que seja, com a literatura nacional (não digo nem internacional) mas com Alencar, Machado, Rosa, Veríssimo, Amado, Azevedo, Euclides, Raquel, Luft, Lispector, etc. Não posso deixar de citar, porque é tragicômico, o que disse uma aluna de mestrado em aula: que as escolas públicas onde há turmas profissionalizantes e se incentiva a competição estimula comportamento “segregacionista” contra alunos de outras escolas públicas! O melhor, segundo ela, é todo mundo patinar na mesma ruindade.

Quanto à estética, que os compatriotas ufanisticamente exaltam, permitam-me um comentário picaresco. O que é que tatu tem a ver com futebol?! Nem bicho de estimação ele é (deve ter, mas não conheço ninguém que encontre prazer brincando com tatu; se bem que tem gente que cria cobra... porém, deformações estéticas são exceções!). No entanto, parece-me que fizeram campanha publicitária e televisiva e elegeram o tatu-bola como mascote da Copa de 2014!

Contradizendo minha opinião sobre a singularidade das deformações estéticas, o Brasil assumiu um mascote que em nada representa a nacionalidade, e ainda tem um nome que lembra “fuleiragem”: fuleco!!! (Segundo uns entendidos, é a mistura de futebol com ecologia... compreenderam?!). É para morrer de rir... Se não for para chorar diante de tanta idiotice!!!

Melhor seria ter pago o direito de licença de marca a Disney e a Abril e adotado o Zé Carioca e o Nestor, esses sim, um papagaio (verde-amarelo) e um urubu (mascote da maior torcida brasileira), personagens dos quadrinhos, há anos identificados com o caráter nacional, apaixonados pelo futebol, malandros, chegados a namorar, a uma cachaça e ao samba! Para que símbolos estéticos mais representativos da alma brasileira?!

Mas, minha certeza de que o país fracassa e aderna é a sensação de desânimo de dois grandes professores de ciências sociais dos quais sou aluno e discípulo (muitas vezes herético!). Próximos dos 80 anos e trabalhando por prazer, ao longo da vida foram perdendo a esperança e o otimismo com o Brasil, reservadamente (por isso não declino os nomes), confessam o seu pessimismo com o país.

Eu, que me aproximo dos 50 anos, quando me dirijo a esses dois expoentes intelectuais, oralmente ou por escrito, sempre utilizo “professor”! Acho estranho e desrespeitoso quando alunos mais jovens os chamam apenas pelo primeiro nome ou sobrenome, sem a reverência do cargo. Penso que esses rapazes e moças sejam muito modernos e que eu esteja ficando antiquado e conservador, mas sinto falta de uma ética pautada pelo respeito aos mais velhos e pela hierarquia devida aqueles que sabem mais.