Perguntasse a alguém
do nosso meio ou de fora dele quem era Cícero Evandro dos Santos,
que poucos, mas poucos mesmo saberiam de quem se tratava. Mas se
falasse “Holifild”... Assim mesmo desta forma abrasileirada. Aí
sim, todo mundo haveria de se lembrar de quem se estava falando.
Aquele homem corpulento, alto, de pele escura, com aquelas feições
de dono de bazar numa Medina do centro de Stambul, de voz sossegada e
sempre com o gravador portátil em punho e pronto para entrar em
atividade.
Como radialista não
era de fazer beiço pra este ou aquele evento. Cobria de tudo,
polícia, política, futebol, lançamento de livro, show, exposição
de artes plásticas, tudo que estivesse acontecendo e ele achasse que
provocasse interesse do ouvinte ou do depois leitor. Tinha essa
“coisa” do repórter escarafunchador, perguntador e pra muita
gente, aquele camarada cacete mesmo. Não sei até hoje com quem
aprendeu esta arte de perguntar. E esta a lição da qual o bom
repórter nunca deve se afastar por acomodação ou timidez.
O certo é que este
camarada chamado Holifild tomou para sua vida uma ocupação que,
embora não dê estabilidade financeira e nem futuro que preste, faz
a gente se apaixonar pela comunicação. Porque a imprensa, neste
sentido geral do termo, é essa coisa de estar perto do que está
acontecendo, perto daquelas pessoas que estão mudando de certa forma
nossas vidas. E nem pode ser diferente. Cícero Evandro dos Santos,
agora cidadão, sem o apelido que lhe deu fama, foi um desses homens
que procuravam estar presentes em todas as ocasiões. Talvez nem
tivesse essa dimensão do que estava fazendo, mas queria fazer e da
melhor forma possível.
O conhecia há quase
vinte anos pelo amigo comum, José Luiz de Carvalho, de quem era
amigo fiel e compadre. Desde os primeiros dias do Correio do Povo,
aquele jornalzinho criado pelo Francisco Carvalho e o Zé Luiz no
início da década de 90. Evandro, a duras penas trazia para dentro
do jornal um anúncio da clínica do Paulo Eudes, que depois foi
prefeito. Os dois eram amicíssimos. E a comissão era pequena,
mínima, coisa de dar vergonha. Mas era dinheiro certo. Mas o Evandro
estava lá, rente na porta da clínica, com o exemplar debaixo do
braço tão logo saía o jornal. Ia prestar conta do serviço.
Vou parar por aqui
porque a emoção está chegando naquele ponto de dominar todos os
nossos sentidos e aí a gente não consegue fazer mais nada. Só sei
que Holifild nos deixou uma noite dessas. Ia dormir. Havia tomado
banho no quintal, feito dois meninos, ele e a Zuleide, mulher,
companheira, amiga e paixão de mais de quinze. Depois ia pegar no
sono e tentar um sonho com um dia melhor para os de dentro de casa.
Como o chefe da casa iria à procura de um ganho, uma oportunidade,
uma chance que se lhe dessem e assim poder, sabe quando, trazer pra
dentro de casa uma satisfação à mulher e ao filho Luis Eduardo.
No outro dia iria sair
com seu gravador em punho, ponto de bala, oferecendo seu serviço.
Foi coisa de sentar na cama. A morte veio rápida, covarde, naquela
quase penumbra do quarto de casal. Matar um homem desarmado, que mal
havia se deitado. Agora está do outro lado. Silencioso, perguntador,
curioso por esta ou aquela resposta. Certamente com a mesma
imponência do caminhar entre pessoas comuns ou importantes. Sempre
humano. Humano a ponto de dividir seu almoço de domingo com aquele
amigo que chegava naquela hora mais íntima da refeição com a
família, que agora está desfalcada.
Por Antônio do Pádua
Marques – Jornalista