27 de março de 2009

Crise ou reajuste?!


Artigo de autoria de Geraldo Filho - Sociólogo, Bchl e MSc: professor do CMRV/UFPI

O professor de Biologia Evolutiva, o inglês Richard Dawkins, é precursor da teoria dos “memes”, que, segundo ele, são idéias, que se propagam de modo semelhante aos “genes”, isto é, por cópia de si mesmas (replicação) e adaptação (mutação), o que permite o ganho de consistência e conseqüentemente, persistência ao longo do tempo.

Ao aplicar-se a teoria dos “memes”, como ferramenta analítica das ciências sociais entende-se melhor o comportamento das empresas e das pessoas no contexto da crise financeira que se espalhou sistemicamente pelo mercado capitalista, atingindo a todos, ricos e pobres.

Crise significa ruptura, e ao analisar-se com mais sobriedade, não é isso o que está acontecendo. Ruptura seria se os fundamentos do mercado estivessem se desagregando, com a livre iniciativa comprometida, por expropriações estatais da propriedade privada (sonho dos socialistas marxistas); falta de abastecimento de bens e serviços ou a quebra de contratos de compra e venda.

No entanto, no noticiário mundial e no Brasil, a palavra crise foi a que se disseminou, replicando-se e ganhando força junto ao imaginário das pessoas, predominando como a melhor caracterização da situação atual do mercado, ou seja, transformou-se em um “meme”. Como das vezes anteriores, em que o capitalismo passou por reajustes sistêmicos (e aqui relembro o mais famoso deles, a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929; e ainda um mais recente, a quebra da Bolsa NASDAQ, em 1998, que negocia as ações de empresas de alta tecnologia, as pontocom), o momento vivido não sinaliza com a desagregação das estruturas de sustentação do mercado, o que me leva a concluir que se atravessa um novo reajuste no sistema capitalista, de grandes proporções, mas um reajuste.

Pode-se dizer, sem cinismo, que a crise foi o resultado do excesso de riqueza gerada, o que aparentemente é uma contradição, pois é comum se associar crise aos desastres originários de cataclismas naturais (furacões, terremotos, tsunamis) ou sociais (guerras e fome). Dessa vez, suas causas se associam à abundância, à luxuria, à gula.

Um ensaio para essa crise ocorreu em 1998, com a quebra da NASDAQ. Naquele ano estourou a chamada “bolha da internet”, ou seja, o valor das ações das empresas pontocom, de alta tecnologia, caíram drasticamente, não por que estivessem se “desvalorizando realmente”, e sim por que voltaram ao seu “valor real”.

O que aconteceu foi que os fundos de investimento dos bancos aplicaram, sem nenhum controle e avaliação prudente, nas ações de empresas que, embaladas pelas rápidas gerações tecnológicas do mundo virtual, apresentavam-se como empresas promissoras... no futuro! Isto é, o valor das empresas não era o “real”, equivalente ao seu valor de mercado (liquidez), mas sim um valor “imaginário”, “virtual”. É evidente que não poderia dar certo, e, no primeiro sinal de desconfiança dos investidores, como a não massificação do comércio eletrônico pela internet, por exemplo, o mundo ilusório das superestimadas empresas pontocom ruiu.

Na crise que começou em 2008, que teve origem no mercado “real” (o da construção civil americana, mercado imobiliário) e não no das empresas pontocom, identifica-se os mesmos sintomas de irracionalidade diante do excesso de riqueza e de abundância.

Depois de duas décadas de aumento da riqueza mundial, decorrência da integração dos mercados pelo mundo (globalização), os bancos e financeiras estavam abarrotados de dinheiro; por outro lado, nesse período, milhões de pessoas foram arrancadas da pobreza para os segmentos médios (classes médias) em diversos países, incluindo o Brasil. O encontro descontrolado da abundância de dinheiro com a vontade de consumir das massas enriquecidas havia de dar errado, em algum momento. Por quê?!

Porque necessita de controle, prudência, regulamentação. Uma comparação entre o excesso de dinheiro dos bancos e a vontade de consumir das massas com um individuo obeso que tem muito capital em “cash” torna-se didático, para compreender o estopim da crise. A compulsão por comida do obeso se encontra com a facilidade de dinheiro em mãos, é uma bomba bioquímica pronta para explodir, um dia acontece!

A falta de controle (regras) do sistema financeiro mundial e dos países sobre as aplicações (investimentos dos bancos) em papéis de negócios futuros das empresas (como, por exemplo, assegurar empréstimos duvidosos ou financiamentos para pessoas sem capacidade de pagamento, “subprime”), gerou uma enorme quantidade de riqueza, conseqüência dos negócios que possibilitou.

O problema é que eram negócios de alto risco, pois as massas enriquecidas, ávidas por consumir, não têm parcimônia, diante da facilidade de crédito ofertado pelos bancos e financeiras, principalmente quando ele está à mão, com o nome de cartão de crédito ou (para os americanos) a hipoteca da casa (usada como financiamento para aquisição de outra casa, ou como garantia de empréstimo para consumo).

A conseqüência da grande farra: bancos emprestaram mais de 30 vezes a sua real capacidade de financiar (quando o recomendável é de 03 a 10 vezes); consumidores se endividaram mais de 03 vezes a capacidade de seu orçamento doméstico. É esse o estopim da crise. Sem poder pagar seus financiamentos e empréstimos, os consumidores quebram; por sua vez quebram os bancos e financeiras, que fecham a torneira de crédito para empresas e pessoas; perdem os acionistas dos bancos e das empresas; sobrevém o desemprego em massa, pois as empresas faliram; cai vertiginosamente o consumo; os impostos desaparecem por que a economia travou... é a crise!

Sem nenhum preconceito contra os gordinhos, a descrição do fenômeno é similar ao seu comportamento compulsivo. Enquanto ele come em demasia ele se sente bem e saciado... mas, com o tempo, as conseqüências surgem e ele adoece. Como um obeso em tratamento, o mercado atravessa um reajuste, isto é, exige regras que normatizem os sistemas financeiros e os negócios que ele celebra. Isto não é contra o livre mercado, é saudável. Pois estabelece uma dieta para a dinâmica dos negócios.